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Com laboratórios em barcos, Carlos Nobre quer criar o 'MIT da Amazônia'
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Transformar o coração da Amazônia em um centro de produção de ciência de ponta, incorporando conhecimento técnico com os dos povos originários. Não fosse a mente por trás desse projeto, ele soaria impossível em uma região cada vez mais degradada e entregue ao crime ambiental.
Mas o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências em mudanças climáticas do Brasil e um dos maiores pesquisadores da floresta, está focado em transformar este antigo sonho em realidade.
Há três décadas Nobre projetou que a Amazônia passaria por um processo de savanização caso o desmatamento continuasse elevado e hoje é considerado precursor por seus estudos.
Embora suas previsões tenham se tornado uma infeliz profecia, o cientista não perde a esperança de ver uma mudança radical desse processo de destruição, cada vez mais próximo de se tornar irreversível.
No mesmo ano em que se tornou o segundo brasileiro a entrar para a Royal Society, a sociedade científica mais antiga do mundo, Nobre lançou também o pré-projeto do inovador Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT), que pretende ser um centro de pesquisa e ensino Pan-Amazônico, inspirado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e focado no desenvolvimento de uma nova bioeconomia.
Aos 71 anos, Nobre está otimista. Acredita que, com as políticas ambientais corretas, o Brasil pode zerar o desmatamento, se tornar um dos primeiros grandes emissores a cumprir os objetivos do Acordo de Paris e virar uma referência mundial no desenvolvimento de uma bioeconomia baseada em recursos naturais, biodiversidade e florestas.
Em entrevista à Mongabay por vídeo, realizada no início de dezembro, o engenheiro, doutor em Meteorologia pelo MIT, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e autor de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), detalhou os planos do AmIT.
Mongabay: O senhor está liderando um projeto inovador, o AmIT, que já foi chamado de "MIT da Amazônia". O que é esse projeto?
Carlos Nobre: A ideia é termos um instituto de desenvolvimento de tecnologia no mesmo padrão do MIT, só que o AmIT já está sendo pensado e desenvolvido desde o início como pan-amazônico.
Ele terá núcleos de pesquisa e de ensino de forma descentralizada por toda a Amazônia. A ideia é envolver o maior número de países amazônicos possíveis. Já iniciamos algumas conversas preliminares com Colômbia, Bolívia, Peru e Equador.
A ideia é que seja tudo na Amazônia, mas em muitos locais, em muitas cidades. No Brasil, por exemplo, os estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Amapá demonstraram interesse.
Haverá inúmeros laboratórios flutuantes em barcos, bases de pesquisa móveis e fixas, assim como centros educacionais. É algo bastante novo porque pretendemos utilizar tecnologias modernas e virtuais para o ensino.
Queremos desenvolver esse centro de desenvolvimento de tecnologia e de ensino, aberto para alunos de toda Amazônia, incorporando os conhecimentos dos povos originários. Esse projeto é um sonho grande. Eu já tenho esse sonho há muito tempo. Várias outras pessoas também compartilham dessa ideia e agora chegou o momento de nós tentarmos implementar.
Mongabay: Nos documentos preliminares do projeto são citados cinco eixos principais de atuação do AmIT. Você pode explicar quais são eles?
Carlos Nobre: Os cinco eixos, que são os centros de pesquisa e desenvolvimento, serão: águas da Amazônia, florestas e sociobiodiversidade, paisagens alteradas, infraestrutura sustentável e Amazônia urbana.
Águas da Amazônia porque esse é o lugar com maior sistema fluvial de água doce do mundo, maior vazão e maior diversidade de sistemas aquáticos, e é perfeitamente possível desenvolver uma sociedade industrializada que utilize todas as formas de energia renovável sem precisar de grandes hidrelétricas.
Amazônia urbana porque 65% da população da Amazônia, o que corresponde a 44 milhões de habitantes, é urbana, e precisamos desenvolver soluções também para essas pessoas, avançando com infraestrutura sustentável de transporte, de telecomunicações, energia, entre outros.
Florestas e sociobiodiversidade porque obviamente esse é o grande potencial que a Amazônia tem, já que é o lugar com a maior biodiversidade do planeta e que conta com os conhecimentos dos povos tradicionais e comunidades locais.
E por fim paisagens alteradas porque obviamente a Amazônia tem mais de 2 milhões de km² desmatados ou degradados, então existe um enorme potencial, por exemplo, de desenvolver sistemas agroflorestais em boa parte das paisagens alteradas.
Mongabay: Em julho deste ano foi apresentado um pré-estudo de viabilidade do AmIT. Em que fase o projeto está agora?
Carlos Nobre: O MIT nos ajudou a fazer um pré-estudo de viabilidade, algo ainda preliminar, que foi lançado em meados de 2021. Agora, estamos desenvolvendo o estudo pleno e o plano de implementação.
Queremos desenvolver esse plano completo para entregar em agosto ou setembro. Neste plano já vamos demonstrar como serão todos os laboratórios, o sistema educacional, como desenvolver a infraestrutura física.
Mongabay: No sumário executivo do AmIT, vocês afirmam que a visão revolucionária — e também o maior desafio do instituto — é focar as ações no empoderamento social. Como isso será feito?
Carlos Nobre: Esse empoderamento social das populações amazônicas será baseado em educação de qualidade, no padrão MIT, e na criação de condições de desenvolvimento para a implantação muito rápida e efetiva dessa nova economia da floresta em pé, gerando uma grande quantidade de novos produtos, em quantidade suficiente para alimentar essa nova bioeconomia.
Portanto, a ideia é termos um grande número de alunos jovens da Amazônia urbana e rural, de populações indígenas, de comunidades quilombolas e ribeirinhas.
O objetivo é dar uma opção para todos esses jovens de ter uma educação que lhes permita se engajar em todos os ângulos dessa nova bioeconomia.
Mongabay: A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva despertou esperança em setores da sociedade. Mas governos anteriores do PT também foram marcados por retrocessos ambientais. O senhor acredita na retomada das políticas sociais e ambientais?
Carlos Nobre: Existe uma crítica muito conhecida, que é o fato de a usina de Belo Monte ter sido aprovada no primeiro governo Lula.
No entanto, eu acho que já houve uma mudança de postura e que haverá uma mudança nas políticas. No meu ponto de vista, esse novo governo já não defende uma expansão absurda das hidrelétricas, por exemplo.
É claro que precisamos esperar para começar a ver quais serão as novas políticas de governo, mas de qualquer forma o discurso do candidato e depois presidente eleito Lula vai na direção de uma economia de floresta em pé, em que a árvore em pé vale muito mais do que a árvore derrubada, uma nova economia que deve respeitar todos os direitos das populações tradicionais e que querem manter a floresta em pé. E isso vale para todos os ecossistemas, inclusive os aquáticos.
(Por Jaqueline Sordi)
Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.
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