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REPORTAGEM

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Sapos mais coloridos das florestas contam com esforço mundial para existir

Sapo-arlequim da espécie Atelopus hoogmoedi, nativa do norte amazônico; populações foram vistas nas Guianas e nos estados brasileiros do Amapá e Roraima - Jaime Culebras/ASI
Sapo-arlequim da espécie Atelopus hoogmoedi, nativa do norte amazônico; populações foram vistas nas Guianas e nos estados brasileiros do Amapá e Roraima Imagem: Jaime Culebras/ASI

14/02/2023 06h00

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No final da década de 1980, num congresso internacional de herpetologia — ramo da ciência que estuda répteis e anfíbios —, pesquisadores de diversos países começaram a relatar o desaparecimento e a queda nas populações de sapos e rãs. Descobriu-se que não era um fato isolado: estava acontecendo em muitas florestas e montanhas das Américas Central e do Sul.

Após diversas análises, os cientistas constataram que milhares de anfíbios estavam sendo vítimas de um fungo letal, originário da Ásia, o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), que causa uma doença chamada quitridiomicose. No continente de origem, os animais são resistentes a ele, mas não nas Américas.

E dentre as muitas espécies de anfíbios que foram dizimadas nas últimas décadas pelo Bd estão as do gênero Atelopus, conhecidos popularmente como sapos-arlequim.

Encontrados da Costa Rica até a Bolívia, e do Equador até a Guiana Francesa, incluindo a Amazônia brasileira, eles medem somente entre 2 e 3 centímetros. Mas suas cores saltam aos olhos.

Afinal, poucas criaturas na natureza apresentam tonalidades tão vibrantes: rosa-choque, laranja, amarelo-neon, roxo. Por esta razão, são conhecidos como "joias da região neotropical".

"Para os Atelopus, o fungo foi terrível, devastador. Das 99 espécies que conhecemos, 4 estão extintas na natureza e 40 são tidas como possivelmente extintas — a maior parte delas devido à quitridiomicose associada à destruição do habitat", diz o biólogo Luis Fernando Marin da Fonte, especialista em anfíbios.

O pesquisador brasileiro é o coordenador da Iniciativa de Sobrevivência Atelopus (ASI), criada em 2019 para tentar salvar da extinção os sapos-arlequim. O esforço inédito reúne mais de 57 organizações, de 15 países, entre eles o Brasil. Os cientistas perceberam que, em vez de trabalharem isolados, juntos seriam muito mais bem-sucedidos n objetivo comum.

O sapo-arlequim da espécie Atelopus spumarius vive na Floresta Amazônica, com populações no Brasil, no Peru, no Equador, na Colômbia e nas Guianas - Jaime Culebras/ASI - Jaime Culebras/ASI
O sapo-arlequim da espécie Atelopus spumarius vive na Floresta Amazônica, com populações no Brasil, no Peru, no Equador, na Colômbia e nas Guianas
Imagem: Jaime Culebras/ASI

"Como um grupo incrivelmente diversificado de anfíbios que enfrentam uma série de ameaças, os sapos-arlequim precisam de soluções inovadoras propostas por um grupo de indivíduos e organizações com diferentes conhecimentos e capacidades", afirma Lina Valencia, fundadora da ASI, co-presidenta da Força-Tarefa Atelopus do Grupo de Especialistas em Anfíbios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e coordenadora de países andinos da ONG norte-americana Re:wild.

Populações microendêmicas são as mais vulneráveis

Não bastasse a alta letalidade do fungo Bd, por suas características físicas, os anfíbios também são mais suscetíveis às mudanças climáticas.

Marin da Fonte explica que eles respiram através da pele e, como não têm capacidade de regular a temperatura do corpo, dependem da temperatura ambiental para isso.

"No caso dos mamíferos, se está quente demais, eles começam a suar e a reduzir o metabolismo para compensar a energia perdida. Os anfíbios não possuem essa capacidade. Então, se lá fora está muito quente, eles provavelmente acabarão morrendo."

Por essa razão, eles vivem em lugares úmidos e fogem da exposição ao calor extremo. Sua pele, permeável, também é mais sensível à poluição ou à presença de agrotóxicos ou outros contaminantes na água de rios e riachos.

Espécies de sapos-arlequim existentes nas Américas Central e do Sul -  ASI -  ASI
Espécies de sapos-arlequim existentes nas Américas Central e do Sul
Imagem: ASI

Já quando há desmatamento ou destruição de seus habitats, alguns mamíferos e aves podem conseguir fugir para outras áreas, o que não ocorre com sapos, rãs e pererecas, que acabam padecendo.

No caso dos sapos-arlequins, o que torna essas ameaças todas ainda mais graves é que muitas de suas espécies são microendêmicas, ou seja, algumas populações são muito pequenas e encontradas somente numa área.

Quando elas são atingidas seja pela quitridiomicose, pela destruição dessss habitats ou pelo aumento abrupto da temperatura, há um risco muito maior de extinção.

Colômbia, Equador e Peru concentram o maior número de espécies de sapos-arlequim descritas até hoje - 41, 24 e 19, respectivamente.

Mais de 75% delas vivem em ecossistemas de alta altitude, incluindo picos nevados a 4.500 metros de altura.

Existem suspeitas de que em ambientes mais frios o fungo é mais violento do que naqueles mais úmidos e quentes, como na Amazônia, onde o Bd não é um problema tão grande como na região dos Andes.

Sapos da espécie Atelopus spumarius fotografados no Equador, país com o segundo maior número de espécies de sapos-arlequim - Jaime Culebras/ASI - Jaime Culebras/ASI
Sapos da espécie Atelopus spumarius fotografados no Equador, país com o segundo maior número de espécies de sapos-arlequim
Imagem: Jaime Culebras/ASI

Menos sapos, mais malária

Os anfíbios são os animais vertebrados mais ameaçados do planeta. Todavia, não são eles que recebem os maiores investimentos para conservação e nem os que aparecem nas grandes campanhas das principais organizações de proteção ambiental do mundo. Afinal, pouca gente acha um sapo "lindo" ou "fofo".

"Quem ganha a atenção são sempre os mamíferos ou as aves. Eles são mais carismáticos", reconhece Marin da Fonte. "E ninguém precisa tentar convencer as pessoas porque é importante proteger um panda, um leão ou uma girafa."

É por isso que, além de pesquisas de campo e planejamento de estratégias de preservação, um dos braços da ASI está ligado à educação ambiental. Faz-se necessário mudar a maneira como a sociedade enxerga esses bichos.

Um dos primeiros passos para alcançar essa meta foi dado durante um encontro realizado no ano passado na Colômbia, que contou com a participação de vários pesquisadores latino-americanos.

O sapo-dourado-do-panamá (Atelopus zeteki) é endêmico do vale panamenho de Antón e símbolo nacional do Panamá. Está possivelmente extinto na natureza - Jaime Culebras/ASI - Jaime Culebras/ASI
O sapo-dourado-do-panamá (Atelopus zeteki) é endêmico do vale panamenho de Antón e símbolo nacional do Panamá. Está possivelmente extinto na natureza
Imagem: Jaime Culebras/ASI

O lugar foi escolhido a dedo: a Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, onde por alguma razão, ainda obscura, os sapos-arlequim parecem ser mais resistentes ao Batrachochytrium dendrobatidis.

Na primeira reunião presencial após os dois anos da pandemia de covid-19, foram lançados vários materiais para engajar os leigos na proteção dos sapos-arlequins, dentre eles, um livro em português, espanhol e inglês com informações e ilustrações sobre as espécies, e ainda, vídeos e canções, produzidos e gravados pela banda colombiana Jacana Jacana.

"Para esse projeto escolhemos quatro espécies, bastante ameaçadas, de quatro países: Panamá, Equador, Colômbia e Brasil. No nosso caso, a brasileira foi o sapinho-manauara, endêmico de Manaus, o Atelopus manauensis", conta o biólogo Pedro Peloso, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi e um dos profissionais envolvidos na ASI.

Para os cientistas, é essencial que esses produtos alcancem um público além do científico.

Atelopus arsyecue, espécie endêmica da Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia - Jaime Culebras/ASI - Jaime Culebras/ASI
Atelopus arsyecue, espécie endêmica da Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia
Imagem: Jaime Culebras/ASI

"Com o livro, chegamos até as crianças. Já a música é uma forma mais lúdica de contar a história e muito mais interessante do que escrever um artigo científico ou um texto que só será lido por pessoas com interesse na conservação de anfíbios", acredita o coordenador da Iniciativa de Sobrevivência Atelopus.

"E, ao trabalhar com crianças, você já quebra o preconceito. Essa coisa de que sapo é nojento ou venenoso é uma questão cultural de geração para geração. É muito mais fácil quebrar esse paradigma com elas".

Não se sabe ainda se, no longo prazo, os sapos-arlequins conseguirão ganhar imunidade ao Batrachochytrium dendrobatidis, todavia, estudos recentes já demonstram que o importante papel dos anfíbios em seus ecossistemas, de controlar a população de outros animais, como mosquitos, está sendo afetado.

Um artigo científico publicado na Environmental Sciences em 2022 alerta que houve um aumento de casos de malária entre seres humanos na América Central.

O sapo Atelopus exiguus é uma espécie exclusiva dos Andes equatorianos - Jaime Culebras/ASI - Jaime Culebras/ASI
O sapo Atelopus exiguus é uma espécie exclusiva dos Andes equatorianos
Imagem: Jaime Culebras/ASI

Nos oito anos após perdas substanciais de anfíbios causada pelo Bd, houve um salto da doença equivalente a cerca de um caso extra a cada mil pessoas, o que significa um crescimento de 70% a 90%.

Para quem precisa de mais uma razão para lutar pela preservação dessas belas e únicas joais neotropicais, está aí uma outra e muito preocupante.

(Por Suzana Camargo)

Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.