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Guerra do Vietnã: Como o país recuperou áreas devastadas pelos EUA

Soldado americano queimando vila no Vietnã em 1965 - Gamma-Rapho via Getty Images
Soldado americano queimando vila no Vietnã em 1965 Imagem: Gamma-Rapho via Getty Images

01/08/2023 04h00

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Já se passaram quase 60 anos desde que os ataques às florestas do sul do Vietnã atingiram seu pico em 1967 durante a guerra contra os Estados Unidos, que fez parte da realidade do país asiático entre 1955 e 1975.

Tentando eliminar a cobertura florestal que servia de esconderijo para as tropas norte-vietnamitas e vietcongues, além das plantações, em um único ano, os Estados Unidos pulverizaram mais de 5 milhões de galões de desfolhantes em mais de 600 mil hectares de florestas vietnamitas, o que equivale a destruição de quase 600 mil campos de futebol de vegetação. Os desfolhantes são agentes químicos que, ao entrarem em contacto com as árvores induzem a queda prematura das folhas.

A extensão dos danos causados durante a campanha de pulverização que durou uma década é difícil de quantificar. As estimativas colocam a cobertura florestal afetada na faixa de 14% a 44%, com os danos mais graves nas florestas de mangue costeiras.

Nas regiões fortemente atingidas por herbicidas químicos durante a guerra, as pastagens rapidamente tomaram conta. Essas são áreas que os pesquisadores da Universidade Hue, do Vietnã, e da Universidade de Queensland, da Austrália, consideraram que dificilmente se recuperarão no curto prazo sem intervenções.

Um voo da Força Aérea dos Estados Unidos pulveriza químicos desfolhantes em floresta do Vietnã. - Bettmann Archive - Bettmann Archive
Um voo da Força Aérea dos Estados Unidos pulveriza químicos desfolhantes em floresta do Vietnã.
Imagem: Bettmann Archive

Mesmo em áreas fora da antiga zona de guerra, a recuperação florestal tem sido um processo acidentado e repleto de desafios.

A cobertura florestal diminuiu drasticamente durante a segunda metade do século 20, de 43% no início da década de 1940 para cerca de 17% no final da década de 1970, de acordo com Rodolphe De Koninck, geógrafo e autor do livro de 1999, "Deforestation in Vietnam" ("Desmatamento no Vietnã" em tradução livre).

A perda das folhas pelas árvores deu lugar à degradação florestal, à medida que o país buscava se recuperar da exploração madeireira, da agricultura de corte e queima e da invasão de terras.

Em 1999, analistas estrangeiros estimaram que a cobertura florestal em todo o Vietnã era de apenas 10%.

As Ilhas Cat Ba, no norte do Vietnã, abrigam uma biodiversidade de espécies muito alta, incluindo florestas tropicais perenes, fundos moles; recifes de corais, florestas de mangue e lagos cársticos marinhos. As Ilhas Cat Ba foram reconhecidas como Área de Reserva Biológica pela UNESCO em 2004. - Istvan Kadar Photography/Getty Images - Istvan Kadar Photography/Getty Images
As Ilhas Cat Ba, no norte do Vietnã, abrigam uma biodiversidade de espécies muito alta, incluindo florestas tropicais perenes, fundos moles; recifes de corais, florestas de mangue e lagos cársticos marinhos. As Ilhas Cat Ba foram reconhecidas como Área de Reserva Biológica pela UNESCO em 2004.
Imagem: Istvan Kadar Photography/Getty Images

Novas iniciativas

Em meados da década de 1980, o gerenciamento florestal passou do controle exclusivo do governo do Vietnã para uma abordagem mais multissetorial envolvendo ONGs, empresas, comunidades locais e conselhos de administração.

As florestas logo foram classificadas em três categorias:

  • uso especial: parques nacionais, áreas de conservação e históricas;
  • proteção: bacias hidrográficas, barreiras contra tempestades e ondas;
  • produção: indústria.

"De acordo com essa política, 1,4 milhão de famílias receberam cerca de 3,4 milhões de hectares de floresta", explicou Phuc Xuan To, analista do Vietnã para a ONG Forest Trends, em uma entrevista ao Mongabay em 2016. "Cada família tem cerca de um a três hectares alocados pelo governo."

Isso incentiva os indivíduos a cuidar de suas terras, e o impacto tem sido benéfico tanto para as pessoas quanto para as árvores.

Família vietnamita de fazendeiros em plantação de arroz na cidade de Mu Cang Chai, no Vietnã - Getty Images - Getty Images
Família vietnamita de fazendeiros em plantação de arroz na cidade de Mu Cang Chai, no Vietnã.
Imagem: Getty Images

Além da transferência de gerenciamento, o governo começou a aprovar uma série de leis para proteger a saúde das florestas e apoiar o reflorestamento na virada do século.

Também começou a expandir seu relacionamento com parceiros internacionais voltados para a conservação ambiental.

Os esforços internacionais e locais para proteger as florestas existentes e replantar os hectares perdidos ajudaram o Vietnã a traçar um caminho mais sustentável para o futuro, mas o país ainda tem muitos desafios pela frente.

Pantação de arroz em Mu cang chai no Vietnã - Getty Images - Getty Images
Pantação de arroz em Mu cang chai no Vietnã
Imagem: Getty Images

História de sucesso

Em 2011, a Forest Trends constatou que a cobertura de árvores no Vietnã se aproximava dos níveis anteriores à guerra, com todas as três classificações de florestas compreendendo 40,2% de sua área terrestre.

Da mesma forma, a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU listou consistentemente as florestas do Vietnã como em expansão moderada entre 1990 e 2015.

Em áreas semi tóxicas, antes desfolhadas por herbicidas, os pesquisadores obtiveram algum sucesso na introdução de espécies de árvores exóticas mais fortes, como eucalipto, acácia e pinheiro, para aumentar a fertilidade do solo e fornecer sombra, permitindo que as espécies nativas criem raízes.

Rio Tam Coc e cavernas na província de Ninh Binh, Vietnã do Norte - Stefan Cristian Cioata/Getty Images - Stefan Cristian Cioata/Getty Images
Rio Tam Coc e cavernas na província de Ninh Binh, Vietnã do Norte
Imagem: Stefan Cristian Cioata/Getty Images

A maior parte da terra concedida às famílias durante a descentralização do manejo florestal na década de 1980 agora é usada para cultivar acácias.

A cobertura florestal tem aumentado e as plantações de pequenos proprietários são fundamentais para essa recuperação.

Phuc Xuan To, da ONG Forest Trends

As espécies exóticas de crescimento rápido também proporcionaram alguma receita para os proprietários de terras em áreas desmatadas.

No entanto, o plantio de monoculturas não proporciona o mesmo nível de biodiversidade e proteção de bacias hidrográficas que o plantio de espécies nativas, algo que os pesquisadores estão valorizando cada vez mais à medida que o estresse ambiental causado pelas mudanças climáticas se intensifica.

Considerar o reflorestamento como uma estratégia para proteger o país contra as mudanças climáticas tornou-se parte da plataforma nacional no Vietnã, com grande valor atribuído ao replantio de árvores de mangue para proteger contra o aumento do nível do mar e a intensificação das tempestades tropicais.

Gibão de bochecha dourada com comida sentado na árvore no Parque Nacional Cat Tien, no Vietnã do Sul. Esta espécie está ameaçada de extinção.  - Richard McManus/Getty Images - Richard McManus/Getty Images
Gibão de bochecha dourada com comida sentado na árvore no Parque Nacional Cat Tien, no Vietnã do Sul. Esta espécie está ameaçada de extinção.
Imagem: Richard McManus/Getty Images

Desafios para a recuperação florestal

A maioria das florestas antigas remanescentes no Vietnã está agora protegida, mas a demanda por madeira está colocando em risco as florestas antigas no Camboja e em outros lugares.

O Viet Nam News informou este ano que, de 2010 a 2015, a cobertura florestal caiu quase seis por cento, ou mais de 300 mil hectares.

A perda de cobertura foi atribuída à dificuldade de impedir a extração ilegal de madeira e a extração de recursos impulsionada pela pobreza. Phuc acredita que os pequenos proprietários são o caminho a seguir em termos de recuperação florestal.

O Vietnã entende que precisa de sustentabilidade para sustentar o fornecimento e acessar o mercado [de madeira] de longo prazo.

Thibault Ledecq, coordenador florestal do WWF

Trabalhadores vietnamitas descascando madeira na cidade de Kon Tum, Planalto Central, Vietnã.  - Leisa Tyler/LightRocket via Getty Images - Leisa Tyler/LightRocket via Getty Images
Trabalhadores vietnamitas descascando madeira na cidade de Kon Tum, Planalto Central, Vietnã.
Imagem: Leisa Tyler/LightRocket via Getty Images

Outra questão é a qualidade das florestas que cresceram nas últimas décadas. Phuc argumenta que, embora a cobertura florestal tenha certamente aumentado, a qualidade do crescimento é ruim.

"Acho que a qualidade das florestas está diminuindo", disse Phuc. "Isso significa que as florestas nativas ainda estão sendo convertidas em culturas comerciais."

Duas culturas comerciais comuns para a conversão de florestas são a borracha e a mandioca.

Vista de um local de extração de sândalo abandonado no norte do Vietnã. A extração de madeira é ilegal na Reserva Natural de Hoang Lien Son, mas um pedaço de sândalo raro pode custar entre 20 dólares e 100 dólares, tanto quanto uma família pode ganhar em um ano de cultivo de arroz. - Jerry Redfern/LightRocket via Getty Images - Jerry Redfern/LightRocket via Getty Images
Vista de um local de extração de sândalo abandonado no norte do Vietnã. A extração de madeira é ilegal na Reserva Natural de Hoang Lien Son, mas um pedaço de sândalo raro pode custar entre 20 dólares e 100 dólares, tanto quanto uma família pode ganhar em um ano de cultivo de arroz.
Imagem: Jerry Redfern/LightRocket via Getty Images

"Há alguns anos, vimos muitas áreas florestais serem convertidas em plantações de mandioca por pequenos proprietários que são muito pobres, especialmente minorias étnicas pobres nas Terras Altas Centrais", disse Phuc.

O governo não conseguiu gerenciar a situação devido ao pequeno tamanho das plantações e suas localizações remotas, um problema que poderia facilmente se repetir.

Além das fronteiras

Embora o Vietnã tenha sido amplamente bem-sucedido na reconstrução de florestas dentro de suas próprias fronteiras, o país agora importa grande parte de sua madeira do vizinho Camboja, onde a extração de madeira é frequentemente feita de forma ilegal e insustentável.

No Camboja, tem havido violência contínua contra ativistas, jornalistas e representantes estrangeiros e as tendências de desmatamento no país pintam um quadro sombrio para o futuro se nada mudar.

Embora o Vietnã tenha percorrido um longo caminho na reconstrução de suas florestas nos últimos 50 anos, o problema do desmatamento não desapareceu. Em vez disso, como a demanda global por produtos de madeira persiste, ela simplesmente foi exportada.

(Por Michael Tatarski e Shanti Johnson)

Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Reportagem publicada originalmente em 11 de dezembro de 2016 e que foi traduzida e atualizada pela repórter Camilla Freitas.

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