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Reportagem

A força do algodão agroecológico no agreste da Paraíba

? Desde 2021, governo, iniciativa privada e cooperativa de agricultores trabalham juntos para que o plantio do algodão orgânico e agroecológico em Ingá (PB) tenha cada vez maior produção.

Na lavoura de algodão em Ingá, no agreste da Paraíba, o pôr do sol ilumina um desfile de moda. Uma cena improvável, de sonho, que exibe roupas de algodão marrom, verde e branco. O vaivém de modelos, profissionais ou não, faz parte da comemoração pela colheita do algodão semeado em abril. Nesta época de seca, a poeira avermelhada gruda no suor do rosto do público: são crianças vindas da escola, agricultores, compradores do algodão, entendedores de moda, governantes e políticos. Rompendo o silêncio de vozes e o barulho do vento, ouve-se "Asa Branca", de Luiz Gonzaga. "Quando olhei a terra ardendo?"

O algodão que serve de matéria-prima às roupas da passarela é plantado nesta região da Paraíba com práticas de sustentabilidade. A atividade segue o modelo agroecológico (dividindo o espaço com o cultivo de alimentos para subsistência), sem uso de agrotóxicos, e parte das terras tem certificação orgânica. Há variedades do algodão que nascem coloridas, não precisando de corantes e evitando uso de água. A produção é vantajosa para o agricultor porque a compra da safra é garantida desde a plantação, e o valor pago é cerca de 10% mais alto em relação ao cultivo convencional.

A produção de algodão na Paraíba não é novidade. Nos anos 1930, o estado era o segundo maior exportador do mundo. Do século 18 até a década de 1980, a atividade moveu a economia regional até que a praga de um inseto, o bicudo, arruinou plantas e famílias. Mas agora, desde 2021, existe em Ingá uma interessante articulação entre diferentes setores que faz uma complexa engrenagem agroecológica dar certo.

O governo estadual incentiva a cultura do algodão e oferece assistência técnica, enquanto a prefeitura fornece terra ou identifica proprietários que possam cedê-las para produção, e envia defensivos agrícolas naturais, tratores e mão de obra. Os produtores rurais, organizados em cooperativa, trabalham em parceria. Diferentes empresas garantem a compra do algodão, produzindo fios, tecidos e fazendo as roupas chegarem até o exterior.

Desfile de moda com roupas de algodão agroecológico em Ingá, na Paraíba
Desfile de moda com roupas de algodão agroecológico em Ingá, na Paraíba Imagem: Beatriz Santomauro

No campo, onde tudo começa

Maria do Socorro da Silva Nascimento, a dona Nenê, é a responsável pela plantação que compõe o cenário do desfile de moda no chamado Dia da Colheita. Agricultora desde criança, há três anos ela faz o cultivo orgânico consorciado com jerimum, fava, milho e feijão. O resultado está no seu sorriso, no campo florido e no bolso um pouco mais cheio.

Ela aprendeu com técnicos da Empaer (Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária) como evitar o ataque do bicudo e recebe um extrato natural, de nim e pereiro, para controlar a praga. Dona Nenê não é a proprietária dessas terras, mas pode utilizá-las sem custo em parte do ano. Para ela, a rotina é quase sempre a mesma: acorda às 4h e segue de carroça com o marido até a lavoura. No rancho de pau a pique entre as plantações, faz café e almoço.

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"Cozinho um pouco e vou pra terra. Minha vida é muito corrida, porque limpo o mato, arranco toco, faço tudo. O dia passa e fico entre o campo e o fogão até as 5 da tarde. Antes ia pro forró no domingo, mas agora não mais", conta Nenê. Mesmo morando a cerca de uma hora de João Pessoa, não conhece o mar. Ela gosta de ver o desfile de moda em volta de sua plantação: "É uma alegria muito grande saber que o algodão das roupas vem da mão da gente".

Terminada a safra, já começa novo ciclo. "Neste ano a chuva caiu, nem muita e nem pouca, como deve ser. Deu bicudo, mas a gente coloca mistura do mato, feita aqui mesmo, e dá certo. O algodão é do bom, sem veneno. A gente trabalha muito, mas no final sobra alguma coisinha", conta a agricultora, prestes a completar 60 anos.

Maria do Socorro da Silva Nascimento, dona Nenê, produtora de algodão em Ingá (PB)
Maria do Socorro da Silva Nascimento, dona Nenê, produtora de algodão em Ingá (PB) Imagem: Beatriz Santomauro

Nos bastidores, organização e novidades no beneficiamento

Natália Keli de Lima Araújo, engenheira agrônoma e gestora da Itacoop (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Ingá e Região), apoia os 54 cooperados de 44 famílias de Ingá, incluindo Dona Nenê. Esses números vêm crescendo: eram 13 famílias em 2021, quando a organização foi criada, e novos interessados para 2024 não param de aparecer graças à produtividade crescente da agricultura familiar e o apoio para produzir e vender.

O algodão faz parte da história de Natália: "Desde pequena eu ia aos campos, mas na universidade estudei a praga do bicudo e os problemas trazidos pelos agrotóxicos. Hoje em dia vejo como pesquisas científicas e novas modalidades de plantio possibilitam cultivo sem irrigação, viáveis para o produtor, o meio ambiente e a economia".

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Além do desfile de moda, a programação do Dia da Colheita inclui palestras, venda de roupas, rendas e artesanato. Natália percorre radiante o evento e vibra com as conquistas em tão pouco tempo. Na caixa de som, mais Gonzaga: "Quando chega o tempo rico da colheita, trabalhador vendo a fortuna, que beleza, chama a família e sai, pelo roçado vai cantando alegre, ai, ai, ai, ai".

O algodão que já nasce colorido é uma variedade aprimorada geneticamente pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde 2000, que produziu fios mais resistentes em cinco tons, do verde-claro ao marrom. No dia a dia, é a Empaer, órgão do governo estadual, que acompanha o produtor rural. Hudson de Souza e Silva, técnico da instituição, explica: "Os produtores que estão nessa cultura desde 2021 continuaram nos anos seguintes, sem rotatividade dos envolvidos. É, portanto, viável, e quando a gestão pública e agricultores estão juntos, o trabalho evolui".

Algodão colorido produzido em Ingá (PB)
Algodão colorido produzido em Ingá (PB) Imagem: Beatriz Santomauro

Uma grande novidade marca esta safra. Severino Vicente da Silva, o seu Biu, presidente da Itacoop, está diante da nova descaroçadeira que faz o beneficiamento da rama de algodão, separando pluma, caroço e resíduos e preparando o produto para a comercialização. A máquina de 32 toneladas e seis metros de altura vai reduzir o tempo de trabalho de oito meses para três dias e ainda garantir um padrão de qualidade superior.

Também para isso a articulação foi essencial: a prefeitura recuperou o terreno para instalação do maquinário e as empresas Companhia Industrial Cataguases (de Minas Gerais, que transforma a pluma do algodão em fios) e Dalila Têxtil (de Santa Catarina, que faz os tecidos), reformaram o galpão e adquiriram o equipamento, dando cinco anos de prazo de pagamento para a cooperativa de agricultores.

Seu Biu está satisfeito: "Antes a gente plantava, colhia, ensacava, entregava as sacas no armazém e ia embora. Mas daí o bicudo destruiu tudo e há 40 anos não tínhamos mais algodão. Desde 2021 é diferente: os gastos e os ganhos são de todos, temos essa comemoração da colheita, e a gente consegue negociar o preço direto com o comprador, sem atravessadores. O trabalho é duro, ontem fazia 45 graus, mas a gente tem mais força. Esperamos trazer mais famílias para o campo, comprar nossas propriedades e ter incentivo para produzir."

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Plantação de algodão agroecológico em Ingá (PB)
Plantação de algodão agroecológico em Ingá (PB) Imagem: Beatriz Santomauro

Instituições mobilizadas em uma cuidadosa costura

O prefeito de Ingá, Robério Burity, é o anfitrião do Dia da Colheita e veste um elegante paletó de algodão orgânico mesmo no calor paraibano. Nas palestras, apresenta convidados da iniciativa privada, governo, certificadora de sustentabilidade, bancos (do Nordeste e do Brasil) e instituições que prestam apoio para produção ou venda (Sebrae, Embrapa, Empaer, Apex, Abrimos e Senai).

"Estamos em um projeto sério, de responsabilidade, com envolvimento de União, estado e município, o que muda a vida das pessoas", diz o prefeito diante da mesa composta majoritariamente por homens. André Klein, da Dalila Têxtil, complementa: "Falamos tanto de ESG nas empresas, mas neste projeto eu enxergo o S, da dimensão social. Aumentando a escala de produção do algodão, conseguiremos tornar sustentáveis os custos fixos e fazer uma transformação social em Ingá".

Uma das grandes responsáveis por unir esses diferentes atores é Francisca Vieira, presidente da Associação Brasileira da Moda Sustentável (Abrimos) e fundadora da Natural Cotton Color, marca responsável pelas roupas do desfile. A empresária é pioneira no uso de algodão orgânico desde 2005, leva sua alfaiataria de luxo com rendas e bordados locais para eventos de moda em todo o mundo, exporta para mais de 10 países e investe na certificação de sustentabilidade Friend of The Earth, que acompanha o processo completo de produção, do campo ao produto final.

O crescimento da produção do algodão paraibano e da visibilidade para o público também é de responsabilidade de Armando Dantas, proprietário das marcas Terra do Sol e Santa Luzia Redes e Decoração. Suas redes, tapetes, toalhas, colchas e produtos de decoração são feitos com algodão agroecológico e fios reciclados (mesclados com fibra de garrafa pet), exportados para mais de 20 países e tendo o Reconhecimento de Excelência Artesanal do Cone Sul, validado pela Unesco.

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O algodão agroecológico usado em suas peças é produzido em vários municípios paraibanos, inclusive por agricultores quilombolas e por assentados rurais. Aliás, é em Itatuba, vizinha a Ingá, que Armando está organizando uma festa para comemorar a safra, com direito a rubacão, prato típico do sertão paraibano, para os agricultores. É hora de se reunir e incentivar o trabalho, como canta Luiz Gonzaga: "Sertanejo do norte, vamos plantar algodão, ouro branco que faz nosso povo feliz, que tanto enriquece o país".

Armando Dantas, fabricante de redes à base de algodão agroecológico
Armando Dantas, fabricante de redes à base de algodão agroecológico Imagem: Beatriz Santomauro

De olho no futuro

Elis Janoville, paraibana produtora de moda que vive na França, finaliza o Dia da Colheita com grande sorriso no rosto. Ela é a organizadora do desfile e diz nunca ter visto uma passarela montada em um ambiente como este, ao ar livre e na plantação.
Assim como tantos participantes apontam ao longo do evento, essa engrenagem que envolve organização dos produtores rurais, governo e iniciativa privada ainda tem espaço para se desenvolver. As expectativas para os próximos anos são muitas: ter máquina para processar o caroço do algodão e destiná-lo para a alimentação animal ou extração do óleo para uso cosmético; conseguir certificações internacionais, com rastreamento da cadeia de produção para ampliar a venda do produto em um mercado qualificado; estruturar a cooperativa para que tenha autonomia financeira e técnica; ter acesso garantido às sementes do algodão orgânico; e possibilitar que os agricultores sejam proprietários de suas terras.

Mais do que cansada pelo dia, Elis está confiante: "É emocionante ver a mudança de vida que os produtores rurais já tiveram. Tem quem comprou terreno, reformou casa, adquiriu moto e automóvel, se organizou para ajudar os filhos. Eles estão revivendo o passado, em que o algodão dava lucro, mas refazendo uma história. A agricultura de subsistência garante a comida no prato, o algodão dá dinheiro e o uso de defensivos naturais gera saúde".

*A jornalista viajou para o Dia da Colheita em Ingá (PB) a convite da Abrimos (Associação Brasileira da Moda Sustentável).

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*Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil

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