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Olhando para o céu na quarentena paulistana
Há dez anos, pela janela do meu home office no bairro do Butantã, em São Paulo, eu tenho a vista do horizonte fotografado acima. Contudo, esse registro feito ao meio dia de 26 de março mostra algo bem incomum: um céu limpo.
Sempre faço fotos dessa vista, mas não nesse horário no outono. Isso porque nesse período o céu paulistano normalmente apresenta uma névoa suja embaçando os edifícios da avenida Paulista e uma larga faixa acinzentada acima da linha do horizonte.
Em meio a pandemia do novo coronavírus, bastaram onze dias de isolamento social na cidade para resultar nessa paisagem rara.
Na semana anterior, as águas dos canais de Veneza passaram a ficar transparentes e cheias de peixes. Dias antes os sensores do satélite Sentinel-5 da Agência Espacial Europeia (ESA) registraram a diminuição de concentração do dióxido de carbono (CO2) e de azoto (NO2) — um importante indicador de poluição — na atmosfera sobre a China e o norte da Itália.
O que minha mirada do céu, as fotos de Veneza e as informações do satélite podem nos dizer? Para mim, significam que — de um jeito enviesado — estamos muito mais próximos de alcançarmos bons resultados na melhoria da qualidade ambiental do planeta do que geralmente imaginamos.
É lógico que ninguém deseja a interrupção ou reestruturação abrupta, forçada e traumática dos tráfegos aéreo e rodoviário, atividades urbanas ou industriais que vivenciamos neste momento. Mas no mínimo invoca-nos uma questão: será que tudo isso não poderia ser feito de uma forma mais racional, intencional e planejada? Tudo parece nos indicar que sim, e que resultados muito positivos poderiam ser alcançados em pouco tempo.
Não se trata mais de ficções sobre catástrofes provocadas pela crise climática ou por pestes devastadoras. Além dos problemas resultantes da degradação da qualidade ambiental, agora as pessoas estão experimentando na prática a ameaça do surgimento de novos vírus — assim como o ressurgimento de outros — capazes de produzirem pandemias mortais.
Não há dúvida que o mundo não será mais o mesmo depois da Covid-19, resta a esperança de que tiraremos importantes lições desta tragédia. O desejo geral de retomar a normalidade deve vir acompanhado da reflexão do quanto esta tal "normalidade" contribuiu para o advento desta pandemia catastrófica.
Como declarou meu amigo e parceiro de trabalho, o arquiteto e urbanista José Bueno, em recente matéria em Ecoa: "É preciso aprender com as calamidades, sejam enchentes, secas ou pandemias".
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
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