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OPINIÃO

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Covid-19 transformou a vida em um eterno webinar

Momento atual rompeu a barreira entre o íntimo e o público - Pollyana Ventura/Getty Images
Momento atual rompeu a barreira entre o íntimo e o público Imagem: Pollyana Ventura/Getty Images
Cláudia Werneck

04/05/2020 04h00

A pandemia inverteu tudo. Em seu curtíssimo tempo entre nós, trocou o referencial - do presencial para o online. Abalo descomunal até para quem ficava horas jogando na internet. Antes, trabalhar, comprar e se entreter pelo celular ou qualquer outra tela era uma praticidade opcional. Agora, é obrigatório. Vale para aniversários, natais, velórios, carnavais, impeachments e beijos. "Socorro, minha vida virou uma live", é inclusive um bom tema para o Carnaval - virtual - de 2021.

A transição foi tão abrupta que, neste exato momento, enquanto escrevo este artigo, me pergunto se não está faltando algo. Parece que nessa virtualização excessiva sempre está faltando algo - que nunca será encontrado. Infelizmente, a desigualdade social, explícita todo dia, não está na lista de coisas que podem ter ficado para trás.

Ao contrário, parece ter sido acelerada pela pandemia. A migração para o online também é desigual.

Não houve ritual de passagem do presencial para o virtual. A virada já se deu no modo velocidade acelerada, típico do online.

Até a virtualidade se ressentiu - suas estruturas estão sobrecarregadas de tanta atenção. Quanto à humanidade, tornou-se duplamente refém: da Covid-19 e da virtualização. Antes, éramos seres humanos presenciais com a opção do online. Agora somos seres online com o risco do presencial. E temos que bajular e louvar cada vez mais essa rainha exigente, onerosa, esnobe e insaciável: a tecnologia. Nunca a humanidade dependeu tanto dela. Que nunca se magoe e dê defeito, é o que ardentemente eu desejo.

Para mim, parece que foi ontem. Até a Covid-19, éramos seres de carne e osso. Com a pandemia, tenho a sensação de que desentoamos como espécie (talvez daí venha a sensação de que está sempre me faltando algo). O isolamento social foi sorrateiro quando nos apresentou esta segunda possibilidade de evolução biológica, a de uma existência quase que 100 por cento online, o que significou assumirmos um novo tipo de formato, mais volátil: o formato humano tipo nuvem. A partir de agora, nem água, comida, saneamento básico e saúde boa nos manterão vivos se os "backbones" - que armazenam toda a informação virtual do planeta - se rebelarem.

Seres etéreos no formato-nuvem são backbone-dependentes. Se essa estrutura parar, sucumbiremos. Antes da Covid-19, a tradução de "backbone" era espinha dorsal ou coluna vertebral. Hoje, "backbones" são a alma, o coração, o corpo e a principal fonte de energia da humanidade, à qual nos conectamos por linha telefônica, fibra ótica ou rádio 24 horas por dia - para navegar na internet e continuar usando telas, quaisquer telas. Dessas deusas do mundo virtual hoje, também, dependemos para sobreviver.

Minha vida se tornou um eterno webinar, call, live. Qual é mesmo a diferença entre esses contextos, na prática? Tudo é antes ou depois da próxima aparição online. Em breve, talvez não seja mais possível diferenciar o que é íntimo do que é público, mesmo para quem deseja nunca romper esse limite. A ponte - ou a barreira - entre o presencial e o virtual se tornará irrelevante?

Dez mil lives atrás, naquele longínquo dezembro de 2019, éramos mais destemidos. A humanidade, ingênua, estava empoderadíssima. A ciência nem imaginava o poder destruidor da covid-19. O novo coronavírus agiu como uma bomba de efeito sincronicamente implacável: desestruturou a sociedade planetária e dissolveu egos. Por dentro e por fora, estamos catando estilhaços e empreendendo soluções. Que sejamos generosos, sábios, rápidos e atentos para não repetir os equívocos do passado. Além do presencial e do virtual, a humanidade não tem hoje um terceiro modo de existir - nem para onde ir. O desfecho da vida humana no planeta poderá ser trágico.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.