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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao invés de nos ceder espaço, contrate nossos serviços

A consultora de negócios Caroline Moreira - Divulgação
A consultora de negócios Caroline Moreira Imagem: Divulgação
Caroline Moreira

26/06/2020 04h00

Hoje encerro minha experiência ao longo de uma semana, ocupando o perfil no LinkedIn de outra pessoa. Agradeço pela oportunidade, pois enquanto escrevia este texto repensava no quanto de fato seria efetivo ocupar o perfil de uma mulher branca para trazer uma nova visão sobre questões de gênero e raça, baseada nos meus estudos, know-how e experiência enquanto mulher negra.

O racismo no Brasil é uma realidade que afeta todas as esferas da nossa vida e isso vale tanto para nós, pessoas negras, quanto para pessoas brancas, mesmo que estas não reconheçam. Porque afeta nossas relações amorosas, familiares, de amizade e de trabalho, além de causar o genocídio da nossa população negra.

É indiscutível que a maneira como afrontamos o racismo até agora não está funcionando e não atende a urgência da situação. Temos que pensar em ações afirmativas que provoquem mudanças. O assistencialismo não funciona, temos que potencializar a inclusão no mercado de trabalho, temos que reconhecer que todos temos o direito de ser agentes ativos na sociedade.

Por isso aceitei, com enorme carinho, o convite para escrever neste perfil e, durante o processo, fiz algumas reflexões:

Até onde é necessário e positivo ganhar notoriedade por meio de uma lente ainda crua sobre o que o racismo de fato representa nas nossas vidas negras? As pessoas brancas estão mesmo preparadas para nos enxergarem como somos de fato? Estão preparadas para reconhecer seus privilégios e abrir mão dos mesmos? Estão preparadas para reconhecer que os direitos dos nossos ancestrais foram violados e que os nossos direitos continuam sendo violados?

Comecei a analisar os dados e cheguei à conclusão de que, apesar de escolher a melhor maneira e de escolher bem as palavras para tocar as pessoas sobre a necessidade do lugar de escuta ativa, os dados falam por si: As pessoas brancas não estão preparadas para nos escutar ativamente.

Inúmeros seguidores meus passaram a acompanhar o perfil da pessoa com quem troquei, e apenas quatro pessoas do perfil dela começaram a me seguir. Pensei então que, talvez, não tenha me apresentado bem.

Sim, nós pessoas negras costumamos nos autocriticar com severidade e sempre acabamos por achar que a culpa é nossa. Interessante, não é mesmo? Assim sendo, e podendo vocês ver no meu perfil do LinkedIn qual é a minha formação, vou fazer aqui uma apresentação mais direta, elencando o que faço hoje e o que já fiz para ocupar esse espaço atual de ativismo na sociedade.

Vamos lá, então? Sou uma mulher, mãe e esposa negra, atuo na rede de aceleração de negócios entre e para mulheres empreendedoras que são Negras Plurais. Atualmente sou incubadora de 30 projetos oriundos do Workshop Na Crise, Sonhe, que criei na quarentena e por meio do qual acompanho desde a criação até a realização dos mesmos.

Minha principal fonte de renda é a gestão do Canal Preto, iniciativa de combate ao racismo criada pelo Ministério Público do Trabalho, OIT e ONU Mulheres, que conta com mais de 30 mil seguidores no Instagram.

Colaboro com o processo criativo do Festival de Música de Mulheres Negras Contemporâneas, que devido à presente situação estão em dificuldade econômica, sem a possibilidade de fazer shows. Faço questão de colaborar com este festival porque acredito que a arte seja necessária para a humanidade e que temos que salvaguardar os artistas.

Juntamente com sete mulheres negras, estamos criando um projeto de consultoria antirracista, que conta com profissionais das seguintes áreas: psicologia, neurociência, terapia sistêmica, filosofia, educação e literatura. Essa iniciativa visa potencializar a liderança positiva e a sensibilização da sociedade por meio de ações práticas e propositivas. Por meio deste projeto, esperamos que da próxima vez que uma pessoa branca nos ofereça o seu espaço, nossa voz realmente seja escutada.

Sou mentora de oito mulheres negras com projetos distintos, inovadores e de alto valor e impacto social, que serão lançados na nossa plataforma. Sou idealizadora do primeiro marketplace de empreendedoras negras da América latina, o aplicativo Dê um Match nas Negras Plurais, cuja construção está sendo realizada por pessoas negras e que, em breve, estará online. Sou Fundadora e CEO da Fábrica Preta, projeto criado durante a pandemia e que atua na gestão, desenvolvimento e produção de conteúdo para outras marcas.

Sou assessora de Katiúscia Ribeiro, filósofa e palestrante que, após uma mentoria, projetou um curso que em menos de dois meses já impactou a vida de 720 pessoas.

Durante a pandemia, juntamente com Adriana Barbosa, do Instituto Feira Preta e Ludmila Oliveira, da Crioula Criativa, mapeamos 80 mulheres negras no Brasil. Para conectar empreendedores e consumidores criamos o Projeto Afro Máscaras. Mesmo após intensa divulgação, só após três meses conseguimos fechar parcerias e recebemos algumas doações.

A meu ver, um projeto - que visa permitir que pessoas negras continuem trabalhando e sobrevivendo e, além disso, contribui para a prevenção contra a covid-19 - demorar três meses para se concretizar é um indício claro de que pessoas brancas não se interessam efetivamente em nos potencializar, o que interessa a elas é perpetuar o assistencialismo, que sempre nos deixará numa situação de necessidade e nunca nos permitirá usufruir dos mesmos direitos.

Todos os projetos acima começaram com zero de recurso financeiro, de forma voluntária e com muita luta, garra e persistência, porque o que me move é transformar as vidas das pessoas que importam para gente.

Olhando essa trajetória linda e potente, se forem analisar atuei e atuo no empoderamento financeiro de todas as pessoas que passam pelo meu caminho. Não precisei ser contratada e nem receber patrocínio de nenhuma empresa para fazer o que meu propósito me convida a realizar, que é transformar e despertar potências invisibilizadas pela sociedade.

Nessa pandemia já impactei junto com esses nomes mais de mil vidas, para as quais foram geradas rendas sem assistencialismo e somente com força de vontade. Não tive licença-maternidade porque minha emergência era pensar e agir em prol das mudanças necessárias para que meus filhos não precisem fazer tudo o que faço.

Nos últimos meses, eu trabalhei em média 18 horas por dia, 7 dias da semana.

Graças ao convite para ocupar o perfil que ocupei, aprendi uma coisa muito importante: só consegui tudo isso por causa da minha gente, e muito provavelmente serão poucas as pessoas brancas que irão ler até aqui.

Por isso, agradeço duplamente, pois finalmente compreendi que pessoas negras, quando se juntam, se transformam numa potência e que não adianta ficar insistindo em falar com as pessoas brancas, elas ainda não estão prontas para nos escutarem, para nos enxergarem e as que estão, não pedem visibilidade para elas, pelo contrário, caminham ao nosso lado.

É como Suzi Pires falou: na luta antirracista, nós, mulheres brancas, temos que nos apresentar como soldadas e usar nossa força para agir a partir de demandas das mulheres negras.

Se vocês acham que é necessário contar minha história através da lente de pessoas brancas, chego à conclusão de que vocês não querem ser nossos aliados, pois um verdadeiro aliado saberia romper com essa lente retilínea forjada a partir do racismo estrutural e saberia que, ao olhar para mim, está olhando para todo um coletivo, que são essas 3 mil mulheres que represento e que já impactei por meio do meu trabalho. Precisamos que as lentes se transformem em curvilíneas, para começarem a entender as curvas que damos para chegar em lugares de destaque.

O preço por assumirmos responsabilidades numa causa como esta é caro. Menos horas de lazer, poucos recursos financeiros, um perde e ganha diário. Na mesma medida em que ganho notoriedade, perco tempo efetivo com meus filhos, perco os detalhes do crescimento deles, canso e muitas vezes tenho vontade de desistir, mas reforço a fala de Angela Davis: "quando uma mulher negra se movimenta, toda estrutura se movimenta com ela."

Assumir a responsabilidade pela causa negra tem um preço que pessoas brancas não querem pagar. Elas terão que mexer nas suas lentes e olhar de perto os processos colonialistas que correm nos seus DNAs para, após as dores e incômodos dessa análise, ressignificarem os novos valores e agirem de forma incansável para gerar mudança efetiva.

Se você quer atuar na luta, primeiramente invista financeiramente em mulheres negras; se não puder investir, faça a ponte com investidores e apresentem nossos projetos como se fosse de vocês. Nessa luta, se coloque como parte do processo, se coloque como coadjuvante e não como protagonista.

Finalizando, não quero mais ocupar espaços de pessoas brancas, quero ser respeitada e acessada pelo meu protagonismo no meu lugar de segurança e de pertencimento. Criem espaços permanentes e não ocupações, pois ocupações são temporárias e precisamos começar a existir e ter descanso mental para poder parar de resistir o tempo todo. Olhar o racismo de forma pontual não mexe com estruturas, precisamos trocar as cadeiras de lugar, precisamos nos responsabilizar.

Esse momento deve ser de escuta e de contratação dos nossos serviços. Meu trabalho é de inovação e inclusão, trabalho em rede e não posso resumir minha trajetória só a questões raciais, embora seja ela meu lugar do mundo. Preciso que meu trabalho seja visto como transformador e preciso também ser bem paga por esses diálogos, pois toda vez que revisito minhas dores, saio da minha jornada machucada e, com certeza, cada diálogo que tento fazer com a branquitude é uma sessão de terapia a mais.

Tudo isso que escrevi aqui nem de perto é sobre uma história de meritocracia, também não é uma história de dor, mas sim de real inspiração. Se você se sentir tocado e quiser conversar ou ajudar de alguma forma, temos diversos serviços para isso, basta contratá-los!

Quero aproveitar a ocasião para agradecer à minha equipe da Fábrica Preta. Flay Alves, escritora e jornalista; Ana Carolina da Hora, nossa programadora; Herbert Alves, nosso designer; Gabriela Lima, ilustradora e designer gráfica; Erik Oliveira, que se ocupa da minha assessoria pessoal; Alexandre Almeida, co-fundador do Fábrica Preta e assessor das Negras Plurais; Ivan Mattos Guerra, também co-fundador da Fábrica Preta, meu esposo e meu braço direito não apenas profissionalmente, mas principalmente no cuidado aos nossos filhos Miguel, um menino de 8 anos, e Luna, uma bebê de 7 meses.

Todo esse grupo de potência que cito acima refletem a minha coerência nas batalhas que decidi assumir, pois são pessoas negras e/ou da periferia e/ou LGBTQI+. Ou seja, são potências plurais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.