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Como superar a nossa tendência à autodestruição?
Em meio ao atual colapso natural e às crises sanitária, social e política, é possível ter a impressão de que a sociedade humana é algo mesmo incurável. Estaríamos fadados à autodestruição, já que ela seria um reflexo de nossa própria natureza.
Lembro-me do filme de ficção científica "Contato" (1997), em que uma comissão especial faz a pergunta de US$ 1 milhão para a astronauta interpretada por Jodie Foster:
- Se você encontrasse esses alienígenas [da constelação] de Vega e pudesse fazer apenas uma pergunta, qual seria?
- Bem, acho que seria: "Como vocês conseguiram? Como vocês evoluíram? Como vocês sobreviveram à adolescência tecnológica sem se autodestruírem?"
A autodestruição como tendência dominante no trajeto das civilizações, infelizmente, é algo confirmado pela história. O colapso — na maior parte autoinfligido — foi a regra para quase todas as civilizações passadas, conforme um levantamento de Luke Kemp, do Centro de Estudos dos Riscos à Existência, da Universidade de Cambridge.
Os múltiplos fatores que costumam destruir uma civilização podem ser agrupados em quatro categorias:
- Mudanças climáticas
- Degradação ambiental
- Desigualdade e concentração de poder
- Complexidade (quando sistemas intrincados originalmente projetados para o bem da sociedade deixam de fazer isso -- pense, por exemplo, no mercado financeiro)
É uma lista alarmante, pois atualmente chegamos à excelência em todos esses critérios.
O modo como esses fatores mais externos interagem para destruir uma civilização é bem complexo, mas não é o assunto principal aqui. Vou tratar mais de um aspecto interno que não costuma ser mencionado, mas que está na raiz de todos os outros: nossa cultura autodestrutiva.
Emergência mental
Há uma mentalidade amplamente disseminada de que a natureza é vista como uma fonte de matéria-prima: ela deve ser subjugada, dominada e explorada até secar. No nível coletivo, isso se espalha como o atual comprometimento não apenas dos ambientes naturais, mas também do ar, clima, alimentos, água etc.
Pode parecer que isso é consequência da qualidade tecnológica-científica-industrial de nossa sociedade. Mas, se pararmos para pensar, essa visão tem muito pouco embasamento científico, estando mais ligada ao conceito de que seres humanos são especiais, superiores, não animais, tendo o direito assim de escanear o mundo em busca de lucro, de explorar e vender tudo ao redor.
Isso é algo bem diferente do que diz a teoria evolutiva: pertencemos a uma espécie de primatas bípedes, ou seja, somos inseparáveis da teia interdependente que sustenta a vida na Terra. Não há como a onda tentar se voltar contra o mar.
Assim, é uma questão de tempo para a exploração inescrupulosa do meio ambiente se transformar em autodestruição humana.
Quando essa visão se junta ao dogma econômico de que empresas, países e pessoas ricas precisam ficar cada vez mais ricas, em uma projeção infinita de crescimento, chegamos ao desastre atual.
No curto prazo, acabamos tendo que focar nos sintomas urgentes do colapso ambiental — como os danos às comunidades, animais e florestas — mas, a longo prazo, essa crise na verdade não é essencialmente ambiental. A destruição de nosso único lar, a Terra, é o sintoma de uma emergência mental, ou cultural: essa absurda mentalidade já descrita, em que nos vemos como seres superiores à natureza.
Novo jeito de pensar
Esse modo extrativista, colonizador e exploratório se provou insustentável já há muito tempo. Mas ainda assim persistimos no erro. Claro que há interesses comerciais e muita manipulação/fabricação do consentimento. No entanto, sempre resta algum nível de escolha, se houver coragem suficiente.
Em um cenário extremamente otimista, talvez possamos lidar com as ameaças físicas à nossa civilização — como as consequências drásticas da extinção em massa de espécies, mudanças climáticas e o colapso social e econômico que se segue. Mas se não percebermos coletivamente que um novo modo de pensar e viver a natureza é preciso, será uma questão de tempo para as crises ambientais se repetirem.
Hoje, nas grandes cidades, muitos de nós nos sentimos desconectados e afastados da natureza. Isso mostra não apenas nosso distanciamento mais óbvio do ambiente natural, mas também revela que, no fundo, não percebemos a natureza em nós mesmos. Nos consideramos algo completamente diferente das florestas, rios, da terra, mar, de nossos irmãos animais ou estrelas.
Não é preciso nenhuma crença espiritual para reconhecer essa separação como um tipo de ilusão de ótica. Os olhos com que vemos o mundo compartilham a estrutura básica ocular de milhões de outros animais. Vemos porque eles veem. O mesmo vale para o cérebro: medo, prazer, adrenalina... Muitos animais compartilham exatamente essas reações a estímulos sensoriais.
Nosso impulso de querer viver e florescer é basicamente o mesmo entre todos os seres, incluindo insetos. Hoje já se descobriu que plantas também se comunicam, se ajudam e até "sentem" o mundo ao redor.
De onde vem isso?
A vida que corre em nossas veias não se limita aos nossos corpos, nem aos nossos pensamentos.
Chegou a hora de coletivamente acordarmos e agirmos de acordo com isso: destruição da natureza é autodestruição. Como diz o slogan, "não estamos defendendo a natureza, somos a natureza se defendendo".
Ou então seguimos o caminho cego do colapso autoinfligido.
Urgência
Esse tipo de mudança interior é fundamental, mas não estou defendendo aqui a ideia de que basta isso apenas. Bastaria se não estivéssemos em uma situação emergencial.
Então, ao mesmo tempo, precisamos lidar de modo urgente com os sintomas agonizantes externos — como a destruição de nossas florestas e as emissões fora de controle dos gases do aquecimento global — de nossa decadente relação com a natureza.
Essa natureza que não é apenas a mãe de nossos corpos, mas que pulsa em cada pensamento de nossas mentes, em cada emoção de nossos corações.
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