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OPINIÃO

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"Alice Júnior": Um filme crítico, informativo e que nos entretém

A atriz Anne Celestino em Alice Junior - Divulgação
A atriz Anne Celestino em Alice Junior Imagem: Divulgação
Jonas Maria

23/10/2020 04h00

O filme "Alice Júnior", lançado em 2019 e recentemente disponibilizado na Netflix, não só é um respiro para a comunidade transgênera, como também nos convida a mergulhar de verdade nas questões trans enquanto nos diverte.

Enquanto pessoa trans que acompanha de perto as representações midiáticas da transexualidade nas grandes mídias, há tempos me sinto frustrado pela narrativa enfadonha e previsível que sempre é apresentada: personagens isolados que se odeiam, a mesma cena clichê do espelho em todo filme, o enfoque perverso na autoflagelação e a lógica cis-heteronormativa que guia toda a história.

"Girl", um filme belga, muito elogiado pela crítica (quem é a crítica mesmo?), é um exemplo perfeito de filme trans feito por pessoas cis, para pessoas cis: cenas desnecessárias que se repetem, o olhar de exotificação sob processos trans e a culpa do sofrimento maliciosamente recaída no próprio indivíduo trans. "Girl" se pretende intenso e profundo, mas não passa de um filme superficial, para consolar e distrair pessoas cisgêneras.

Apesar do seu gênero e público-alvo primário, "Alice Júnior" está longe de ser mais um longa adolescente bobinho. A transexualidade transforma o filme. Não estamos falando de uma escola sem graça com de colegas chatos, estamos falando de como as instituições de ensino são violentas para a juventude trans. A diretora não é simplesmente rígida, ela é conivente com a transfobia. Não estamos falando de uma jovem mimada da capital que precisa se adaptar a uma nova vida no interior sem sinal de internet, mas sim de como a sociedade ainda é conservadora e mantém valores cristãos que ameaçam a comunidade LGBTQIA+.

E assim como a transexualidade transforma o filme, o filme também transforma a transexualidade ao colocá-la lado a lado aos dilemas clássicos da adolescência. Alice está bem com seu corpo, é segura de si. Ela não quer "aceita" ou validada pela pela cisgeneridade.

Alice sabe exatamente o que representa, ser trans não é um problema, afinal, há preocupações mais urgentes quando se é adolescente, como o primeiro beijo no crush, não é?

Alguns podem apontar e dizer que o filme não reflete a realidade trans brasileira. É verdade, ele não reflete. É sabido que 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição. Também é sabido, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que 72% não termina o ensino médio e que 13 anos é a idade média para serem expulsas de casa. Embora seja válido e necessário pensarmos em filmes que tragam essas realidades — infelizmente mais próximas de nossas vivências do que a narrativa de Alice —, essa não a proposta do longa.

"Alice Júnior" é um filme intencionalmente colorido, não só pelo seu formato. Como disse o diretor, Gil Baroni, em uma entrevista, eles queriam colorir a história trans. O que não significa que estamos falando de um filme alienado, que está romantizando ou abordando de modo leviano as violências — definitivamente não é esse o caso —, mas sim de um filme que finalmente rompe com os estereótipos do cinema trans e traz algo novo.

O fato de a protagonista ser uma garota trans fora da regra, que está no ensino médio, é de uma classe mais elevada e tem apoio familiar e recursos, é muito interessante, pois mostra que a despeito de toda estrutura que tem, nada disso a impede de sofrer preconceitos. Como disse um amigo meu: a transfobia é bastante democrática.

A realidade trans brasileira está sendo transmitida diariamente e chega na casa de milhões de brasileiros: liguem nos programas policiais e vejam o noticiário dos crimes de ódio com requintes de brutalidade direcionados à comunidade trans feminina. Não é por falta de informação. Essa história já está sendo exibida. O que nos falta é a empatia do outro, a humanização, a promoção do respeito e políticas públicas de apoio.

Precisamos de filmes como "Alice Junior".

Filmes que contem outras histórias, que mostrem novas possibilidades, que apresentem ao público um novo olhar, de modo que possamos construir outras narrativas trans. Narrativas que nos movam para um novo imaginário social, mais digno, mais potente, mais diverso e muito mais divertido.

"Alice Júnior" é um presente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.