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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Entre Cúpula do Clima e COP26, caberá aos governos locais avançar a agenda

Joe Biden durante inauguração da cúpula virtual sobre o clima - White House
Joe Biden durante inauguração da cúpula virtual sobre o clima Imagem: White House

Cassia Moraes e André Castro Santos

29/04/2021 06h00

Nos dias 22 e 23 de abril, chefes de Estado de 40 países se reuniram virtualmente, atendendo ao chamado do Presidente Joe Biden, dos Estados Unidos. O tema era a ação para enfrentar as mudanças climáticas, negada pela gestão anterior de Donald Trump, e cujas negociações vêm patinando nas Conferências anuais organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Entre os presentes, o presidente Jair Bolsonaro causou um misto de revolta e indiferença, com um discurso mais moderado que o usual, mas pouco embasado por ações concretas. Por outro lado, desde 2019 são os governos locais e regionais que tentam se colocar como representantes do Brasil na arena internacional, prometendo avanços mais duradouros e efetivos a despeito do posicionamento nacional.

Nas últimas décadas, o Brasil se esforçou para ocupar posição de liderança no tema das mudanças climáticas. A atuação do país foi fundamental para a transferência de capital e de tecnologia para países em desenvolvimento, por meio de créditos de carbono, com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Esta posição, foi, contudo, abdicada pela atual gestão do Governo Federal, que preferiu se alinhar ao discurso negacionista do antigo inquilino da Casa Branca. Mais do que a posição de liderança, o Brasil perdeu sua credibilidade internacional. Desde 2018, o Brasil vem batendo recordes nas taxas de desmatamento da Amazônia, passando a boiada nas regulamentações que permitem algum grau de fiscalização ambiental e precarizando, intencionalmente, os órgãos ambientais.

Atentos a essa mudança de postura dos governos nacionais, governos locais dos Estados Unidos e do Brasil se mobilizaram, para manter os esforços de combate à mudança do clima. Entre os estadunidenses, destaca-se o movimento We are still in (Nós ainda estamos dentro), assinado por 294 cidades e condados e por mais 10 Estados. Neste manifesto, que reforçou o comprometimento com a ação climática, apesar da posição de Donald Trump, os governos locais foram acompanhados por 2.301 empresas e investidores, 412 universidades, 87 instituições culturais, 44 organizações de saúde, 947 grupos religiosos e 12 povos indígenas. No Brasil, os governos regionais também estão se movimentando. O movimento Governadores pelo Clima, enviou às vésperas da Cúpula do Clima uma carta assinada por 24 governadores propondo parcerias estratégicas entre EUA e seus estados.

Com isso, buscam reativar e criar fóruns estaduais de mudanças climáticas, atrair investimentos e estabelecer conexões entre os estados e agências internacionais de financiamento. Ou seja, compor uma agenda colaborativa entre si, para encontrar oportunidades e preencherem o vácuo de poder gerado pela negligência do governo nacional com o tema. Em paralelo, municípios também se posicionaram. O Fórum CB27, das capitais brasileiras, lançou, no mesmo dia de início da Cúpula dos Líderes pelo Clima, a Carta em Defesa dos Biomas, documento que reforçou a ideia de que a defesa dos biomas brasileiros é condição para a preservação da biodiversidade e fundamental para a mitigação da emergência climática. O Presidente do grupo e Secretário de Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro, Eduardo Cavaliere, discutiu alguns pontos da carta com jovens e especialistas em live durante a Cúpula do Clima.

O tempo dirá se a ação dos governos locais criará novas oportunidades para brasileiras e brasileiros serem incluídos na nova economia do clima, que emerge em paralelo à retomada verde das principais economias globais. Contudo, é muito positivo que mais agentes políticos se posicionem e se comprometam com ações de combate às causas e efeitos das mudanças climáticas. Nós, enquanto cidadãos e a sociedade civil organizada temos, dessa forma, mais opções de quem cobrar resultados. São, também, mais atores dispostos a segurar o rojão, quando aventureiros põem em risco políticas de Estado, com discursos populistas baseados em notícias falsas e teorias da conspiração mirabolantes.

A ação contra o clima vai, ainda que lentamente, construindo bases sólidas. Cabe a todos nós continuarmos trabalhando para que as políticas climáticas deixem de ser ações marginais na política brasileira para tornarem-se o fio condutor de um novo modelo de desenvolvimento que não deixe ninguém para trás.

Cassia Moraes é mestre em administração pública e desenvolvimento pela Universidade de Columbia, CEO do Youth Climate Leaders (YCL), embaixadora Planetiers e membro do Conselho Regional para a América Latina da iniciativa Making Cities Resilient 2030 da UNDRR.

André de Castro dos Santos é pesquisador, doutorando em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável pela Universidade de Lisboa, membro do Conselho Consultivo Acadêmico do YCL e advogado membro da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA).