Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Temos grandes armas a nosso favor: a tecnologia e nossa escolha de consumo
Assim que a pandemia chegou ao Brasil, eu e minha família nos preparamos para a guerra. Do alto do nosso privilégio, nos trancamos em casa e abastecemos a geladeira. Dispensamos nossa funcionária e nos viramos entre o trabalho online e a operação intensa que é cuidar da casa e de duas crianças pequenas (meu filho mais novo tinha acabado de completar 1 ano e, se eu piscasse o olho, ele enfiava o dedo em alguma tomada). A primeira função doméstica da qual abrimos mão para tentar facilitar nossa vida foi cozinhar. Sem problemas, já tínhamos costume de pedir comida em aplicativo e esse era um luxo que poderíamos nos dar. E foi assim que minha família, ao longo dos 15 dias que seguimos vivendo na cidade, contribuiu para o crescimento de 187% do mercado de delivery em 2020.
A cada pedido quentinho que chegava à nossa porta, uma quantidade de embalagens descartáveis absurda vinha junto. Papéis, plásticos e isopores. Mas nosso cérebro encontra meios criativos de nos tranquilizar e o meu me dizia "relaxe, jogue tudo na lixeira reciclável que quarta-feira chega a coleta seletiva e recicla tudo pra você!". Isso me deixava levemente tranquila porque eu acreditava com toda força que o meu lixinho faria parte dos míseros 1,28% de resíduos sólidos reciclados no Brasil. Até que, surpresa: a coleta seletiva foi paralisada, as cooperativas de reciclagem, paralisadas! Lógico, como eu não pensei nas mais de 800 mil pessoas que trabalham manipulando nossos resíduos? Elas também deveriam se proteger da exposição à covid-19. Mas, enquanto eu faço parte dos 1% que retém 28,3% da renda do país e posso ficar trabalhando de casa, essas pessoas, sem poder trabalhar, vão somando os 125,6 milhões de brasileiros vivendo em insegurança alimentar. Ou seja, não sabem o que (ou se) comerão na próxima refeição... E este é o nosso Brasil. O 7º país mais desigual do mundo.
Duas semanas depois de estourada a pandemia, eu e os meus deixamos a cidade rumo à serra carioca. E, por mais contraditório que pareça, foi aqui que eu entendi a minha relação com as redes sociais. Através delas eu iria mostrar para quem quisesse ver um pouco das mudanças que adotei ao longo dos últimos anos para uma vida de impacto ambiental menor. Minha luta é apresentar novos comportamentos de fácil adoção para que mais e mais pessoas entrem nesse barco. Tudo muito simples. Dicas simples de reutilização de materiais, redução do consumo de recursos, estímulo ao consumo local e, obviamente, o combate aos descartáveis... E tudo começou a ir muito bem. Meu engajamento na rede foi crescendo e respostas lindas começaram a chegar nas minhas caixas de mensagem. Então, surgiu um aplicativo de mobilidade interessado em fazer uma parceria.
Era um aplicativo feito por e para mulheres. Gostei da ideia e estava prestes a abrir conversa quando assisti uma entrevista com Paulo Galo, líder do movimento Entregadores Anti-facistas. Fiquei impactada. Se queria falar de sustentabilidade, não poderia ficar restrita ao âmbito ambiental; o social e o econômico compõem este tripé. Ali estava o lado mais cruel do capitalismo exposto: de um lado uma empresa de tecnologia avaliada em dezenas de bilhões de reais e, do outro, trabalhadores ganhando mal, sem direitos trabalhistas. Lembrei da quantidade de plástico entrando na minha casa a cada vez que um motoqueiro tocava o interfone. Encerrei uma mal iniciada conversa com o aplicativo feminino de mobilidade e fechei a cara de vez para estes aplicativos.
A essa altura, eu já não contava com aplicativos de entrega há muito tempo. Hipocrisias à parte, onde eu moro, nenhum entregador chega. Assim fica bem mais fácil abrir mão da pizza quentinha de domingo à noite. E fica muito mais fácil não gerar tanto resíduo. E fica muito mais fácil não contaminar minha família com os malditos bisfenóis, verdadeiros venenos que essas terríveis embalagens liberam nas nossas comidas. E fica muito mais fácil diminuir a quantidade de microplástico que chega através de mim ao meio ambiente.
Um dia eu acordo e meu Instagram está monotemático: o iFood havia feito uma ação promocional no Big Brother que era a antítese da sustentabilidade. Uma entrega de uma refeição para uma única participante chegou em umas vinte caixinhas de plástico. Sem gastar um segundo de pensamento fiz a minha parte. Repostei a imagem horrorosa chamando a atenção da empresa. Não fui a única, muita gente fez o mesmo. Na semana seguinte, uma nova ação no programa, mas dessa vez, eles anunciavam animados que as embalagens eram livres de plástico porque a empresa estava compromissada com o meio ambiente. Por um breve momento fui enganada pelas centenas de pessoas que vibravam com a mudança, me parabenizando por ter feito parte desta mobilização. Mas bastou olhar mais de perto pra ver que as novas embalagens que serviam o participante do BBB eram feitas de papel e... plástico! Fiquei possessa. Era greenwashing ("banho verde", recurso que marcas usam para parecerem mais ecológicas, sem de fato serem) bem na nossa cara! Daí, sem nem escovar os dentes, fiz um post malcriado.
E quando a gente é malcriado, a galera gosta. Muitos reposts, muito barulho (não só meu, de toda a comunidade de avatares da sustentabilidade) e o resultado foi bonito: na semana seguinte, o iFood repetiu a ação de marketing no programa de maior audiência da televisão brasileira usando embalagens biodegradáveis de mandioca! Digo isso pra confirmar minha teoria de que nossa pressão funciona, sim! A sociedade hoje tem duas grandes armas contra as opressões do sistema: a tecnologia, que nos permite ecoar, nos juntar, chamar atenção de pessoas e marcas, e nossa escolha de consumo. Devemos lançar mão das duas sempre e muito!
Há no Brasil muita gente empenhada em transformar nossas políticas públicas em relação aos resíduos que deixamos no meio ambiente. A Pnuma e a Oceana, por exemplo, acabaram de criar uma campanha chamada #DeLivreDePlástico, que visa regulamentar a oferta de itens plásticos, especialmente os de único uso, através de leis que já estão vigentes em mais de 40 países. Já que o nosso país é o 4o maior produtor de plástico do mundo, mas está no final da lista dos que mais reciclam, a solução está no início da cadeia, não no fim.
Baseado em uma pesquisa feita por essas instituições, 88% das pessoas gostariam de receber seus alimentos sem plásticos. Inclusive, 15% dizem ter deixado de usar os aplicativos de entrega por conta do excesso de embalagens. Ou seja, o consumidor sabe o que quer, mas talvez ainda não saiba como fazer pra chegar lá. Então, vou dizer o que eu faço por aqui: além de barulho na internet, eu assino! Assino petições, consultas públicas, abaixo-assinados, junto minha voz a outras vozes e assim grito mais alto. Mas, se você é uma empresa que produz resíduos, então você pode fazer muito mais. A lei te pede responsabilidade sobre 22% do que você gera, o que já é bastante carinhoso da parte do nosso governo (me pergunto por que não 100% e fiscalização rigorosa, né não?). Você tem logística reversa? Você faz compensação ambiental? Você está preocupado com o futuro próximo do nosso planeta como eu estou e como toda a classe científica está? Em um mundo onde quem manda é quem tem, cabe a você que tem muito, fazer mais.
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