Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Nossa adaptação à crise climática e ambiental depende do feminino
A crise climática e a ambiental são dois grandes desafios globais deste século e em conjunto afetam a todos nós independentemente da região, classe social, raça ou gênero.
Porém a ciência é clara em demonstrar que não há nada de democrático e isonômico quando se trata dos impactos dessas crises sobre as pessoas.
A pobreza em países em desenvolvimento torna as pessoas mais vulneráveis aos efeitos dessas crises, segundo dados do Painel Intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC) e da ONU. E as mulheres são bem mais vulneráveis do que os homens porque são a maioria vivendo em condições de pobreza (70%). Além disso, quase metade das famílias em condições de pobreza extrema nas zonas urbanas (40%) são dependentes de chefes de família mulheres.
A situação de risco das mulheres ainda se agrava porque elas são a maioria compondo a força de trabalho na produção mundial de alimentos (50 a 80%, podendo chegar a 90% na América Latina). E são exatamente as pessoas cujos trabalhos dependem de recursos naturais, como a agricultura, por exemplo, as que são diretamente afetadas pelas mudanças climáticas.
Mesmo que as mulheres sejam uma grande força de trabalho no campo, a concentração de terras é desproporcionalmente masculina. Mulheres não são proprietárias nem de 10% das terras. E não para por aí. As jornadas de trabalho dessas mulheres são mais longas do que a dos homens, o que acaba dificultando que elas estudem, se especializem ou se capacitem e consigam aumentar a renda familiar.
Tudo isso limita o acesso e o controle feminino de produtos e serviços ambientais, levando também à ínfima participação feminina em tomadas de decisões importantes, além da exclusão feminina na partilha dos benefícios e administração dos recursos ambientais.
Tais injustiças ambientais e climáticas relacionadas ao gênero revelam o quanto as mulheres estão despreparadas para enfrentar crises que só aumentarão a pressão já existente sobre elas, tornando-as as principais vítimas.
Deve estar bem claro que os avanços sociais e a criação de políticas públicas de inclusão de gênero são estratégias imprescindíveis de combate e mitigação da crise climática e ambiental. Por exemplo, a nossa segurança alimentar depende dessas mulheres.
Por isso é urgente que haja esse aumento progressivo e constante da participação das mulheres como lideranças no planejamento e tomadas de decisões sobre recursos destinados à crise climática e ambiental, tanto no âmbito nacional quanto local.
Afinal de contas, o gênero feminino historicamente protagoniza em causas ambientais. Se fizermos uma pequena busca em nossa memória fica claro que as principais ativistas e lideranças na política ambiental são mulheres.
As Guardiãs da Vida
Uma menina adolescente é uma das maiores e mais famosas ativistas atualmente, tendo criado o maior movimento mundial de greves pelo clima - um ícone do ambientalismo. A determinação e força de Greta Thunberg foram capazes de mobilizar adolescentes e adultos em todo o mundo, além de levá-la a conquistar espaços e participar das tomadas de decisão e chamadas para a ação juntamente com várias outras meninas e mulheres de várias nações e culturas.
No Brasil, a seringueira acreana Marina Silva alcançou o posto de Ministra do Meio Ambiente, reduziu o desmatamento da Amazônia ao implementar um eficiente sistema de monitoramento das florestas e criar o maior número de unidades de conservação em sua gestão. Ela ganhou mais de 10 prêmios por essa e muitas outras grandes contribuições socioambientais, como o prêmio Sofia em 2009, que é um dos mais importantes do mundo.
Em 2020 foram duas cientistas ambientais brasileiras que ganharam os maiores prêmios de conservação do mundo pelas inestimáveis contribuições de suas pesquisas para a saúde das florestas. Patrícia Medici venceu o Gold Award por produzir o mais completo banco de informação sobre a nossa anta-brasileira, e Gabriela Cabral Rezende foi ganhadora do Whitley Award por seus esforços em conservar o mico-leão dourado.
Não podemos esquecer da minha colega de profissão, a ecóloga e ambientalista queniana Wangari Maathai, que foi a ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2004 pelo seu Movimento Cinturão Verde, criado para responder à falta de água e energia que prejudicam terrivelmente as camponesas. O movimento já plantou mais de 51 milhões de árvores no Quênia, promovendo a conservação ambiental com foco na criação de resiliência climática, com base no fortalecimento das comunidades através das mulheres.
E vamos terminar lembrando que a relação entre mulher, sustentabilidade e conservação dos bens ambientais é atemporal. Em nosso inconsciente, e até mesmo no consciente, a natureza e o planeta Terra são femininos, representados por mulheres e deusas. O grande útero da natureza, a primavera, e seu potencial inesgotável de produzir a diversidade incrivelmente espetacular da vida estão relacionados ao próprio útero da mulher em inúmeras culturas, religiões e diferentes percepções humanas. Mulheres são guardiãs da vida há muito tempo.
O fato da maioria da força de trabalho produzindo o nosso alimento no campo ser feminina indica a prevalência dessa relação no presente também. O lugar das mulheres é também auxiliando a humanidade a atravessar essas crises ambientais, usando todo seu arsenal de conhecimentos e habilidades, atuais e ancestrais, como sempre fizeram.
Quem seguir no Brasil para continuar essa conversa:
Lorena Froz: @lorenafroz_
Mulheres Unidas pelo Clima: @mucbrasil
Mulheres na Conservação: @mulheresnaconservacao
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