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OPINIÃO

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Um balanço da COP26: acordo não é o ideal, mas traz avanços

Presidente da COP26, Alok Sharma chegou a chorar ao anunciar acordo menos rígido - unfccc
Presidente da COP26, Alok Sharma chegou a chorar ao anunciar acordo menos rígido Imagem: unfccc
Flora Bitancourt e Geovani Altacho

14/11/2021 06h00

Depois de duas semanas de intensas negociações em Glasgow, na Escócia, a COP26 (Conferência do Clima das Nações Unidas) aprovou neste sábado (13) um acordo sobre a redução do aquecimento global. As primeiras opiniões de especialistas apontam que o presente acordo não é ideal e provoca muitos desapontamentos, mas inegavelmente é um avanço que nos mantém na direção certa na luta contra a crise climática. Pela primeira vez na história, é registrado o impacto dos combustíveis fósseis para a crise climática, é assinado um grande acordo para o fim do desmatamento e avançamos nos debates sobre a proteção dos povos indígenas.

Este avanço é bem-vindo e faz parte de uma verdadeira corrida contra o tempo. Segundo o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o braço das Nações Unidas que lida com o tema), na contagem parcial das últimas voltas desta corrida, estamos perdendo. Até pouco tempo atrás, o tema das mudanças climáticas era um assunto distante de quase todos nós, porém agora precisamos, sim, nos esforçar para entender e mergulhar nessa agenda que está tratando da sobrevivência de nossa espécie.

Como muitos devem ter acompanhado no noticiário recente, o relatório publicado em agosto deste ano aponta que, se o aquecimento global ultrapassar o limite de 2 graus Celsius estabelecido no Acordo de Paris (2015), provavelmente as terras férteis se transformarão em desertos, os fenômenos meteorológicos extremos colocarão em risco o sistema alimentar e muitas regiões ficarão inabitáveis.

O Acordo de Paris foi resultado de uma longa jornada de vários eventos que poderíamos resumir destacando seu início, em 1988, em uma conferência no Canadá, passando pela famosa ECO92, no Rio de Janeiro, e se configurou em uma evolução do Protocolo de Kyoto de 1997.

Nesse percurso, e ainda hoje, a evolução do acordo sofre com boicotes de negacionistas do clima e atrasos por conflitos de interesses em todos os níveis — de potências globais a grupos setoriais. Entretanto, apesar da desinformação e jogos de poder, o desenho do mercado de carbono conseguiu avançar a um estágio de consenso que foi ratificado por 198 países.

O Artigo 6

Como parte do Acordo de Paris, o Artigo 6 foi um dos principais objetos de negociação da COP26, que se encerrou com o anúncio da transição para o novo acordo, chamado agora de Pacto climático de Glasgow. O novo pacto garantiu diversos avanços, mas prevê ainda que alguns países apresentem dentro de um ano metas mais ambiciosas para realmente garantirmos o objetivo de limitar o aquecimento global até 1,5 graus Celsius.

O avanço no texto do artigo 6 é um marco histórico que representa mais de três décadas de discussões internacionais nos campos do meio ambiente, economia e tecnologia para a produção de um acordo que reúna a humanidade em torno de um desafio comum.

Nas últimas duas semanas, nas mesas de negociações dos grupos de trabalho da conferência, foram definidas as regras dos mecanismos de mercado para a transição para a economia de baixo carbono a partir da compra e venda de créditos de carbono entre os países. Para que o acordo conseguisse avançar, Brasil e Japão foram bem-sucedidos ao propor transferir as divergências técnicas para uma instância do mercado de carbono, que deverá decidir os critérios para cada caso.

O Artigo 6 é importante porque pode gerar US$ 167 bilhões ao ano em 2030, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

Consideradas todas as dificuldades para obtenção do presente acordo, não se pode negar que se trate de um avanço imenso na batalha contra o aquecimento global. A partir de Glasgow, os países signatários poderão negociar créditos de carbono uns com os outros visando atingir suas reduções de emissões de gases de efeito estufa por meio de venda de créditos de emissões excedentes, desde que tenham cumprido seus compromissos. A partir do estabelecimento deste mecanismo, o mercado de carbono ganhará a prioridade necessária porque, pela primeira vez e de fato, Capital, Meio Ambiente e Tecnologia estarão atuando juntos em um projeto global.

Na pior das hipóteses, podemos considerar que a redação final do Artigo 6 foi minimamente bem-sucedida, e agora os países signatários terão a responsabilidade em se apressar para avançar com a regulamentação em seus próprios territórios e estabelecerem metas de redução dos gases de efeito estufa para os diferentes atores econômicos da sociedade.

Impacto na iniciativa privada

Apesar da marcante ação dos lobistas da indústria de combustíveis fósseis, a presença maciça da iniciativa privada na COP26 não deixa de ser bom sinal e, não por acaso, reflete o movimento forte que já vinha ocorrendo no mercado de capitais com a propagação nas principais bolsas do mundo de inúmeros fundos de investimento em torno do ESG — que significa Environmental (ambiental), Social and Governance (governança).

Ou seja, o mercado já entendeu que cuidar do planeta é uma forma de gerar valor e que não cuidar gera resultados dramáticos. E isso quer dizer que já não basta fazer "apenas" propaganda sobre o compromisso com o meio ambiente, o que chamamos de greenwashing. Se o assunto é pauta de análise para avaliação de valor de mercado das empresas, naturalmente, será objeto de verificação de conformidade segundo padrões de governança internacionais.

E isso já está acontecendo. Em junho deste ano, o International Integrated Reporting Council (IIRC) e o Sustainability Accounting Standards Board (SASB) anunciaram a fusão de suas metodologias para o formato do Value Reporting Foundation (VRF). E o VRF está integrado ao IFRS, que é o padrão internacional de contabilização gerencial amplamente utilizado que, em 3 de novembro, também na COP26, anunciou o International Sustainability Standard Board (ISSB).

Os compromissos e, principalmente, os resultados das iniciativas das empresas relacionados ao impacto financeiro de seu relacionamento com o meio ambiente serão reportados nos mesmos relatórios que determinam os fundamentos que os analistas de mercado consideram para avaliar a geração e a destruição de valor promovidas pelo desempenho dessas mesmas organizações. Outro aspecto — na verdade, o outro lado da moeda — é que o posicionamento ambiental e social das empresas ficarão publicamente disponíveis para aproximá-las ou, eventualmente, distanciá-las de seu público-alvo.

E muitas destas empresas já atuam formando mercados voluntários, compensando suas emissões, comprando créditos de quem é capaz de provar que está tirando o carbono da atmosfera, mas de forma 100% voluntária. Diante do tamanho da necessidade, o modelo dos mercados voluntários ainda é insuficiente. Apesar de seu aspecto amplamente saudável da formação de mercados livres de regulamentação e apenas baseados na lei da oferta e da procura, infelizmente, passamos do ponto em que isso seria suficiente. Daí a importância de uma uma regulação detalhada.

Esta é a urgência que Glasgow deixa registrado na história, depois de intensas semanas, chegou o momento de entender que se trata da sobrevivência da humanidade e que cada dia mais o trabalho colaborativo e a tomada de decisão baseada na ciência e na construção de um futuro melhor e possível será mandatório para todos que aqui habitam. É preciso garantir a celeridade e a obrigatoriedade para que governos e empresas entrem nessas negociações e façam suas partes.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL