Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Moradia digna pede união de esfera pública e privada a movimento social
O centro da cidade de São Paulo está abandonado pelo poder público e sucateado pelo colapso das atividades econômicas que sempre o caracterizaram. Pandemia e recessão geraram um número recorde de imóveis fechados, há meses com placas de "aluga-se" e "vende-se" nas portas. Sem perspectiva de negócio.
Enquanto isso ocorre, o mesmo centro sofre uma calamidade em termos de moradia, com a multiplicação de cortiços e coabitações sem mínimas condições de segurança, higiene e dignidade, além de uma explosão demográfica de pessoas vivendo em situação de rua, em barracas tristes, montadas sob viadutos e em praças, como se vivêssemos em uma Woodstock distópica ou no cenário do "Ensaio sobre a Cegueira", romance de José Saramago.
O pior é que as pessoas e famílias submetidas a tais condições de moradia ainda pagam "aluguéis" caríssimos e vivem sob a ameaça permanente de despejos, inclusive aqueles feitos sob violência física irresistível. "Ou sai, ou sai!"
Terra sem lei e sem poder público? Parece, mas não é. A região central da maior cidade do Brasil é administrada pela subprefeitura da Sé e constitui-se dos distritos da Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Sé e Santa Cecília, sendo o endereço de 431.106 pessoas, segundo o censo do IBGE de 2010. A mesma pesquisa que, aliás, apontou a existência de 290 mil imóveis vazios em toda a cidade de São Paulo. É urgente que o poder público assuma sua responsabilidade, em vez de apenas assistir à tragédia instalada.
Esses imóveis vazios podem ser promovidos por uma legislação visando à sua reforma e readequação para fins de habitação, mediante uma regularização fundiária urbanística que garanta o direito constitucional à moradia formal, através de Programas de Locação Social com preços acessíveis na área central.
A criação de um Programa de Conversão de Impostos Municipais não pagos (IPTU e ISS) em moradias para famílias de menor renda, com base no modelo de concessão de uso por tempo determinado, permitiria aumentar a oferta de unidades habitacionais dignas, o que por si só já impactaria os preços dos aluguéis. Além de oferecer subsídios para famílias em condições de extrema vulnerabilidade.
À administração municipal competiria a organização de uma mesa de negociação envolvendo grandes devedores da cidade, arquitetos, urbanistas, movimentos de moradia, associações comerciais e de vizinhança, visando à cessão desse imóveis, devidamente requalificados, para serem transformados em moradia mediante pagamento de taxa de locação social pelos beneficiários do programa.
E há recursos para isso. O estoque da dívida ativa equivale a quase dois orçamentos anuais da capital. São R$ 130 bilhões divididos em 1,2 milhão de processos, que deixaram de ser pagos em impostos à prefeitura ao longo dos anos.
A inspiração para este ambicioso programa de moradia, que envolve negociação e diálogo, além do foco exclusivo na resolução do problema de moradia, é o Prouni, programa federal de incentivo à Educação, que converteu impostos não pagos por instituições privadas de ensino superior em vagas para alunos de menor renda.
É preciso reconhecer que não há hoje uma alternativa de produção habitacional que atenda às famílias de menor renda e que necessitam morar perto do trabalho, da escola, da creche, da Unidade Básica de Saúde, dos equipamentos culturais da cidade, da acessibilidade, enfim.
Com coragem, criatividade e negociação, contudo, pode-se vislumbrar uma saída humanitária e justa para todos. Cabe uma força-tarefa encabeçada pela prefeitura, Câmara Municipal, movimentos sociais e setor privado. Não precisamos e não devemos normalizar a vergonhosa transformação do centro da cidade mais rica do país em um infernal campo de refugiados. Moradia digna já.
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