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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Agenda 227 é tudo o que você precisa para ganhar as eleições

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Imagem: iStock
Cláudia Werneck

01/06/2022 06h00

Quais sentimentos definem sua relação com a infância?
Antes de responder, conheça as instruções:

1) não pense em uma criança que você ame;

2) nem naquelas que vivem em regiões empobrecidas e devem estar agora sem calçados, com muito frio ou muito calor, talvez com fome e sede, talvez abandonadas e próximas da morte;

3) ignore a infância dos comerciais;

4) e as crianças que tenham rara beleza ou inteligência;

5) ou alguma deficiência;

6) ou uma doença rara que te pareça apavorante e te comova;

7) se você é profissional da educação, não se mobilize por seu cotidiano nas salas de aula com alunas e alunos;

8) se você é profissional de saúde, não relembre bebês e jovens pacientes nas emergências de clínicas e hospitais;

9) apague da memória uma criança que tenha visto há poucos minutos pedalando na rua, feliz, numa bicicleta toda colorida com farol e buzina;

10) fique atento (a) para não se apegar à imagem de crianças que mexam com você emocionalmente pela cor da sua pele, fisionomia, altura, modo de falar ou qualquer outra característica — porque isso significa que seus preconceitos estão ativados, o que não é bom;

11) esqueça, por fim, todas as crianças que passaram por você nas últimas horas em fotos e vídeos nas redes sociais, te encantando e te divertindo com proezas de precocidade inigualável.

Não sobrou criança?

Natural. Acontece porque não conseguimos mais perceber a infância real, aquela que não se esgota nos exemplos acima e inclui crianças que não nos mobilizam. Simplesmente passam por nós despercebidas. Ou seja, na prática, não existem.

O mundo adulto tem um hábito nocivo de rotular as crianças, atribuindo-lhes notas de aparência, aptidão, interesse. Ainda que considerados bons, como o de "criança mais comportada" da turma, todos os rótulos apequenam a infância, reduzindo-lhes o potencial e o futuro. Não é a capacidade ou o modo de chamar a nossa atenção que define a importância da criança, diz a Constituição.

Crianças não somem do cotidiano e do pensamento das pessoas adultas simultaneamente e na mesma intensidade. Varia muito. Quais são os grupos de crianças que você esquece? Instituições e políticas públicas também se distanciam muito de algumas infâncias.

Pois é justamente esta criança sumida que buscamos. Ela não está nos cartazes de "procura-se" ou "desaparecida". O sequestro se deu — e se dá endemicamente — no íntimo de cada pessoa que daqui a alguns meses vai votar para a presidência do Brasil.

Buscamos com urgência esta infância que o imaginário social não consegue mais captar, esquecida por nossos corações e mentes, que adoram funcionar a partir de estigmas — bons e maus, definindo qual criança vai nos assustar ou tranquilizar, nos divertir ou preocupar. Ainda que sumida do nosso alcance cotidiano, esta criança sumida é real. E, como todas, depende do cuidado e da proteção de pessoas adultas para sobreviver.

Ainda estamos muito distantes da criança e do adolescente descritos no artigo 227 da Constituição brasileira, o que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.

Para o ECA e o artigo 227 da Constituição, nenhuma criança que habita as nossas fragmentadas imagens cotidianas da infância existe de verdade. São apenas fragmentos da infância. O ECA repudia estereótipos de crianças. O ECA não escolhe crianças. O ECA é para toda e qualquer criança.

Ainda que eu me esforce muito, nunca conseguirei sozinha defender os direitos da infância previstos no ECA. Ainda que a organização que eu fundei há 20 anos, a Escola de Gente - Comunicação em Inclusão se empenhe muito, jamais conseguirá sozinha proteger integralmente a infância que está no ECA. Ainda que a Rede Brasileira de Inclusão de Pessoas com Deficiência, rede da qual faço parte, defenda que a infância brasileira é o principal sujeito de direitos, será pouco.

Qual a solução para tanta frustração? Buscar novas estratégias de ação e força. Por isso nasceu a Agenda 227, um movimento de 150 instituições da sociedade civil, liderado por 18 delas, como o Instituto Alana, a ANDI e a Escola de Gente.

O objetivo da Agenda 227, que atua de forma suprapartidária, é trabalhar para colocar os direitos da infância no centro do debate eleitoral presidencial.

O modo como quem vai disputar a presidência do Brasil se refere à infância, com suas origens e especificidades, diz muito sobre seus planos de governo. E esta é a leitura crítica que a sociedade precisa aprender a fazer para votar melhor. Votar pela infância que existe, tantas vezes violada e massacrada, ainda que enaltecida e amada. O mundo adulto ama e discrimina, tudo ao mesmo tempo. Situação agravada pela desigualdade social e outras vulnerabilidades sistêmicas, como discriminações estruturais e capacitistas.

Convido organizações da sociedade civil que atuam com assuntos relacionados à infância, e isso inclui todos, como clima e ambiente, nutrição, trabalho, direitos humanos, gênero, saúde, entre outros que atravessam o universo infantil direta ou indiretamente, a aderir à Agenda 227, neste link: https://agenda227.org.br/.

Devolver à infância o seu lugar central na construção, aperfeiçoamento e monitoramento das leis, das políticas, das pautas nos meios de comunicação e no modo como a sociedade reage ao cotidiano, é o modo que eu escolhi para necessariamente vencer as eleições presidenciais em 2022. Alguém conhece outro?