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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fome cresce, atinge 33 milhões e se torna o maior problema do Brasil

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Imagem: iStock
David Hertz

12/06/2022 06h00

Menos de dois anos de pandemia fizeram o Brasil retroceder três décadas em termos de segurança alimentar. No fim de 2020, 19,1 milhões de pessoas conviviam com a fome no país. Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer, como mostra a atualização dos dados do Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN). Enquanto a fome cresce de forma exponencial e o país volta aos patamares da década de 1990, a força solidária que se formou na pandemia perde força e vemos o tema sair da agenda das grandes empresas.

Historicamente, a prática da doação tem no Brasil uma dimensão muito menor do que poderia, especialmente quando comparada a outros países. A covid-19, porém, ajudou a garantir um impulso significativo de recursos destinados à filantropia. Segundo o Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), as doações somavam R$ 3,25 bilhões em 2018, número que saltou para R$ 6,9 bilhões do início da pandemia até abril deste ano. Desse total, no entanto, boa parte (R$ 5,5 bilhões) se concentrou entre março e maio de 2020 — os meses iniciais da pandemia.

Foi essa força solidária trazida pela pandemia que permitiu que a Gastromotiva, organização social da qual faço parte e que atua no combate à fome e a insegurança alimentar, se reinventasse e lançasse em março de 2020, como resposta aos impactos socioeconômicos da covid-19, o programa Cozinhas Solidárias, que implanta cozinhas comunitárias para distribuição de quentinhas lideradas por microempreendedores, cozinheiros, lideranças locais, organizações e coletivos. É o tipo de ação que a gente concebe, implementa e se emociona, mas no fundo gostaria de vê-lo com prazo para acabar.

Há meses ouço, não sem preocupação, muitos representantes de empresas dizerem que a fome saiu do radar principal dos projetos de ESG. Projetos relacionados ao combate à fome não estariam mais entre as prioridades nos orçamentos de impacto social das empresas — habitualmente parceiras das Cozinhas Solidárias, uma entre tantas outras iniciativas que, graças ao apoio filantrópico, espalhou-se por estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Amazonas para atender diretamente à população em situação de insegurança alimentar. Com uma unidade também na Cidade do México, o projeto oferece mensalmente cerca de 120 mil refeições nutritivas e garantiu, ao longo desse período, refeições para 2 milhões de pessoas, plantando sementes sustentáveis como solução de negócios para essas comunidades.

Porém, com a queda de 60% das doações em relação ao início do programa, será necessário reduzir à metade o apoio às 80 Cozinhas Solidárias até o fim de junho. Teremos recursos para manter 40 cozinhas funcionando até o fim do ano (27 delas com apoio de patrocinadores e 13 com apoio da Gastromotiva). Todo dia chegam até nós novos coletivos e organizações querendo aprender sobre como implementar uma cozinha.

E para quem acha que lidamos como um problema em queda, a ponto de justificar a saída do mapa dos financiamentos e apoios solidários, basta olhar para a fome ao nosso redor (e os números).

Esses novos dados trazidos pela Rede PENSSAN são um alerta e um clamor. Não podemos descansar diante desses números, tampouco acreditar que podemos construir um país civilizado enquanto assistimos, inertes, ao crescimento desses indicadores. Precisamos, ao contrário, de mais velocidade, intensidade e amplitude no desenvolvimento e apoio a projetos capazes de enfrentar o problema - de políticas públicas de combate a desigualdades a iniciativas mobilizadoras de organizações da sociedade civil.

Se permitirmos esfriar o calor da solidariedade, deixamos morrer um tanto da capacidade do país de lidar com nossos problemas mais urgentes e sonhar com aspirações mais elevadas de bem-estar, riqueza e oportunidade. Que o digam nossos cozinheiros solidários, as comunidades que atendem e, sobretudo, as pessoas que aguardarão a senha na próxima fila, à espera de uma comida nutritiva e salvadora.