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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Remoções, falta de áreas verdes e mais: Como o racismo tem moldado o RJ?

Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro - Lucas Landau/UOL
Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro Imagem: Lucas Landau/UOL

Larissa Monteiro, Marcele Oliveira, Thiago Nascimento e Mariana de Paula*

06/10/2022 06h00

Não é de hoje que movimentos de luta por moradia reivindicam que a luta pelo direito de habitar não é apenas pelo teto. De forma reincidente, o poder público, quando responsável por promover moradia no Rio de Janeiro, empurrou as populações de baixa renda para recortes precarizados e sem infraestrutura necessária, através do Banco Nacional da Habitação (BNH) nos anos 80 ou Programa Minha Casa Minha Vida nos anos 2000.

Além disso, a prática de remoções que, a exemplo da ocorrida nas favelas da Catacumba, Praia do Pinto e Esqueleto, nos anos 1960, demonstram a serviço de quem o governo sempre atuou.

A partir da observação destes fatos, é possível constatar a criação de uma cultura vigente na produção desta cidade, moldada por uma tríade que se repete constantemente: gentrificação, privação dos locais de pertencimento e especulação imobiliária.

A essa prática de "periferização', por atuação contínua e não omissão como costuma-se entender periferia, denominamos racismo ambiental.

A falta ou sucateamento de áreas de lazer, equipamentos de saúde, cultura e esporte, além de áreas verdes é a realidade presente na vida de moradores de áreas não centrais do Rio de Janeiro.

Como contrapartida a essa atuação, movimentos de moradores promovem o que a institucionalidade deixa a desejar: o aparato da habitação que não está dado nas periferias urbanas.

E em tempos de acirramento da crise climática, torna-se urgente falar sobre como atua a prática de racismo ambiental. Para populações periféricas, majoritariamente pobres e negras, promessas de que as melhorias no espaço e locais de contato com a natureza vão chegar seguem quase sempre como ideias utópicas.

Em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, apesar dessa utopia ter ganhado contornos mais concretos, a finalidade eleitoreira tem se mostrado evidente.

Contrariando a narrativa oficial de divulgação do projeto, moradores seguem há mais de 30 anos em luta constante para que o projeto de um parque ecológico-urbano saia do papel.

O projeto apresentado pela prefeitura, diga-se de passagem, contempla apenas 50% da área onde é possível ser construída esta área verde e não ocorreu em conformidade com os processos necessários de escuta popular para implantação de um projeto deste porte.

Não por acaso, um dos grandes desafios para que a totalidade da área - em que há muitos anos atuam movimentos como Movimento Parque de Realengo Verde e a Ocupação Parquinho Verde - receba o parque continua sendo a especulação imobiliária já citada anteriormente.

Em parte, há uma vitória em curso ao anunciar a criação e início das obras de metade do parque que os moradores exigem há muitos anos. Entretanto, para que essa vitória seja completa, é necessário percorrer um longo caminho ainda. Não apenas construindo os 50% que ainda faltam nesse terreno, mas construindo uma cultura de produzir áreas verdes nas periferias da cidade.

E mais: com escuta ativa aos moradores que a vivenciam e muitas vezes fazem nestas áreas o papel que o Estado se nega a fazer.

*Larissa Monteiro cria de Realengo, arquiteta e pesquisadora, concentrando estudos nas periferias da américa latina, mais especificamente no Rio de Janeiro. Tem interesse pela produção prática-crítica. Seus trabalhos incorporam questões econômicas e ecológicas como dimensões imagéticas. Na graduação colaborou com a organização dos ateliês de pesquisa por desenho Arquitetura Comum e Ateliê Aberto, na FAU-UFRJ. Dentre trabalhos práticos-críticos, destacam-se A periferia no centro: um outro olhar sobre São João de Meriti, 2018, premiado no 4° concurso universitário URBAN21 e Entre Mercado e Identidade: uma investigação projetual sobre o modus operandi da construção carioca, 2020, reconhecido como melhores trabalhos de conclusão de curso, pela plataforma Archdaily. Desde 2020 atua como ativista no Movimento Parque de Realengo Verde e integra a equipe de elaboração da Agenda Realengo 2030.

Thiago Nascimento é cria do Jacaré, tem 24 anos, é graduando em Direito na UERJ. Tem especialização em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas/FGV. Fundou o projeto Jacaré Basquete, Jaca Contra o Corona e LabJaca. É diretor de Relações Institucionais no LabJaca. Foi selecionado no Edital Caminhos de Apoio a Lideranças Negras, da Fundação Tide Setubal com apoio do Instituto Ibirapitanga e da Porticus. Premiado como destaque no Shell Iniciativa Jovem 2020 e é embaixador da Rio+30 Cidades 2022.
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*Mariana de Paula é cria da Zona Norte, é co-fundadora e diretora de operações do LabJaca. Formada em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), com MBA Jr. em Gestão de Negócios pelo Instituto de Engenharia e Gestão (IEG) e especialização em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é coordenadora de planejamento e gestão do Consórcio AWL, atuando nas entregas do programa de aceleração de startups de impacto socioambiental. Tem artigos publicados no Le Monde Diplomatique Brasil e Globo.