Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que as mudanças climáticas têm a ver com o que você come no dia a dia?
Você já se perguntou sobre a relação de produzir alimentos com as mudanças climáticas? O sistema alimentar - isto é, a forma de produzir, distribuir, ofertar e consumir alimentos - afeta e é afetado pelas mudanças climáticas. Globalmente os sistemas alimentares são responsáveis por aproximadamente 33% das emissões de gases do efeito estufa (GEE).
Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas são responsáveis por temperaturas mais altas, mudanças nos padrões de precipitação e muito mais frequentes eventos climáticos extremos, que impactam na produção de alimentos, especialmente a dos pequenos produtores, como a agricultura familiar. É esta agricultura familiar que produz comida de verdade no Brasil e, infelizmente, é a mais afetada pela insegurança alimentar.
Ao contrário do que tentam nos passar, o agro no Brasil não é pop. A produção de commodities bate recordes de bilhões de dólares, mas produz fome e pobreza. Além de commodities, segundo um estudo realizado pela GEIAS e Sustentare/USP na região Centro Oeste, a agropecuária também produz toneladas e mais toneladas de GEE. Essa atividade é a principal responsável pela emissão desses gases na região, especialmente gás carbônico.
O agronegócio também ameaça os ecossistemas naturais e aprofunda as desigualdades sociais. O Big Agro junto com o Big Food - as grandes empresas de produtos alimentícios - que dominam os sistemas alimentares hegemônicos interferem nas políticas públicas de segurança alimentar e nutricional favorecendo o acesso, disponibilidade e oferta de produtos ultraprocessados que estão adoecendo e matando nossa população. O consumo destes alimentos está relacionado à obesidade, diabetes, câncer e mortes prematuras.
No Brasil 57 mil mortes por ano são atribuídas ao consumo destes produtos. Além da gigante carga de doenças, estes produtos têm impacto negativo na pegada hídrica da dieta brasileira, que é a quantidade de água, direta e indiretamente, usada na produção de um produto.
O saldo desta equação tem sido a coexistência da fome, da obesidade além das mortes prematuras, não somente no Brasil. Mas, no mundo inteiro.
Nós do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) - uma associação de consumidores que luta por relações justas de consumo e incide para que os consumidores - cidadãos possam de fato escolher os melhores alimentos, lutamos por soluções estruturais factíveis pautadas nos direitos humanos e não nos interesses comerciais. O direito à saúde e o direito de escolher uma alimentação adequada devem estar à frente dos interesses econômico e comercial.
A nossa grande preocupação é a apresentação de falsas soluções para os problemas. A exemplo, o estímulo à transição de proteínas. São crescentes as iniciativas que prometem solucionar o problema do clima como o mercado de produtos denominados plant-based ou "carne do futuro". Apesar da tentadora proposta de se resolver o problema ambiental de uma maneira simplista. É uma falsa alternativa. Você sabe por quê?
Os supostos benefícios das proteínas alternativas, como os plant-based são questionáveis. De que ingredientes estes produtos são produzidos? O que sabemos é que os plant-based são considerados produtos ultraprocessados pois são compostos por uma variedade de ingredientes como isolados de proteínas e gorduras extraídos de soja ou ervilhas, aromatizantes e outros aditivos. As matérias primas têm origem na produção intensiva, transgênicos, com uso de agrotóxicos e poucas matrizes alimentares, com concentração da produção por grandes indústrias transnacionais. Não, fazem mal para a saúde e para o planeta.
Defendemos a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Soluções pautadas nos conhecimentos dos povos tradicionais como atores com conhecimentos e práticas alinhadas com o uso sustentável da biodiversidade; na agroecologia - abordagem que otimiza as interações entre plantas, animais, seres humanos e meio ambiente; e que levam em consideração aspectos sociais que precisam ser abordados em sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis, uma vez que contribuem para a justiça social, soberania alimentar e a equidade de gênero e étnico-raciais.
A luta pela preservação do meio ambiente e pelo direito à uma alimentação adequada é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo. Nós do Idec continuaremos lutando para que as próximas Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas, as COPs, e as políticas públicas estejam a favor da vida neste planeta e que incentive em um sistema alimentar que semeia mais justiça, igualdade e saúde.
*Janine Coutinho é coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
*Rafael Arantes é coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
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