Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Nevasca nos EUA: O que explica o fenômeno que já causou várias mortes?
Uma onda de frio extremo está atingindo a América do Norte, causando dezenas de mortes nos Estados Unidos e Canadá e a causa é um evento de ruptura do Vórtice Polar.
Mas o que é vórtice polar? As mudanças climáticas têm relação com isso?
Vórtices polares são áreas de baixa pressão e ar frio sobre ambos os polos da Terra. O fluxo de ar (no sentido anti-horário no Polo Norte e horário no Polo Sul) ajuda a manter o ar frio perto do polo e o vórtice se torna ainda mais frio e forte no inverno, quando o polo se inclina para longe do sol. Em torno dele está a corrente de jato polar, uma corrente muito rápida que circunda a Terra.
O vórtice de inverno do Hemisfério Sul é mais forte, e geralmente quando se fala em vórtice polar trata-se do vórtice do Polo Norte pela grande influência que exerce no clima de inverno do Hemisfério Norte. É a ele que me refiro aqui também.
A atmosfera terrestre tem várias camadas e o vórtice está presente em mais de uma: nos primeiros quilômetros temos a troposfera, a camada onde circulam sistemas, frentes e geralmente há um vórtice próximo ao Polo Norte. Mas é na camada superior, a estratosfera, em que o vórtice é mais definido e seus ventos atingem velocidades maiores.
Geralmente o vórtice é estável e confinado ao Ártico, mas às vezes ele é perturbado ou interrompido. Quando isso acontece, pode ser acompanhado por mudanças na corrente de jato - que desenvolve um padrão ondulado enquanto circunda o globo e faz com que, na superfície, ar frio seja empurrado para sul rumo a latitudes médias.
Eventos como esse não necessariamente vão ocorrer em todos os invernos, mas no decorrer de um inverno típico no Hemisfério Norte, podem acontecer um a dois episódios em que o vórtice polar estratosférico é bastante distorcido, gerando ondas de frio intensas que podem atingir a América do Norte, Europa e Ásia.
Mas a grande pergunta a ser feita é se as mudanças climáticas têm relação com isso, se estão tornando rupturas e distorções no vórtice polar mais frequentes.
Ainda não há consenso entre os especialistas e estudos apresentam hipóteses diversas.
Alguns cientistas dizem que sim, o aquecimento do Ártico estaria causando interrupções no vórtice, por meio de mudanças na corrente de jato polar. Este estudo liga a onda de frio do Texas em 2021 ao aquecimento do Ártico - as condições mais quentes criariam ondas atmosféricas maiores e com mais energia, tornando a corrente de jato mais ondulada, afetando assim a circulação do vórtice.
Outros cientistas dizem não haver relação. Neste artigo autores sugerem que mesmo com o aquecimento do Ártico e a perda de gelo marinho se intensificando, as tendências em extremos frios e ondulação do jato das décadas de 1990 e 2000 não persistiram na última década, enfraquecendo o argumento de correlação com o aquecimento do Ártico.
Outra hipótese é de que elementos naturalmente variáveis do clima da Terra podem estar causando mudanças e distorções na corrente de jato.
Este sim é um debate científico em aberto, diferente do "debate" sobre aquecimento global de causa humana e consequentes mudanças climáticas - que já está resolvido.
Essas perguntas já foram respondidas há muito tempo pela ciência do clima: sim, as atuais mudanças climáticas são reais e causadas pelo homem. O que estamos tentando entender melhor agora são seus efeitos.
Não há nenhuma dúvida de que a humanidade aquece o planeta pela emissão de gases de efeito estufa ou de que Ártico está aquecendo quase 4x mais rápido que a média global.
Também já sabemos que um planeta mais quente nos reserva mais frequentes e intensos eventos relacionados a calor e chuva. O debate está em outras questões, neste caso, em "se" e "como" esse aquecimento anômalo influencia ondas de frio extremas.
De qualquer forma, é sempre importante ressaltar que em um mundo mais quente devem predominar extremos de calor, mas os extremos de frio continuarão existindo.
E não há contradição nisso, o sistema terrestre é muito mais complexo do que pressupõe a pseudociência.
*Karina Lima é doutoranda em Climatologia, mestre em Geografia com ênfase em análise ambiental e divulgadora científica. Twitter: @KariLimaX
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