Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Desmatamento da Amazônia impacta economia do Sul e Sudeste do Brasil
As regiões Sul e Sudeste são consideradas as regiões com maior contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. O PIB, é a soma de todas as riquezas produzidas em um dado território durante um determinado tempo, sendo que apenas as regiões Sul e Sudeste são responsáveis por cerca de 72% do PIB nacional. Isto se deve a uma indústria e agricultura pujantes e bem estruturadas, estando localizadas nas regiões com maior concentração urbana.
Entretanto, tanto a agricultura e indústria, como o abastecimento humano destas duas regiões do Brasil, já estão sendo impactados pelo desmatamento da Amazônia, é o que apontam estudos científicos publicados nas revistas Nature e Conservation Biology.
De acordo com o relatório publicado pela revista Nature, os efeitos da escassez hídrica para o Sul e Sudeste do Brasil em 2020 e 2021 são tão severos, que tanto a agricultura como a geração de energia foram afetados.
As consequências destes efeitos, de acordo com o estudo científico, foi um aumento nos preços da soja de 67% de junho de 2020 até maio de 2021.
O café também foi um dos produtos afetados, pois o preço do produto subiu 30% em decorrência da menor proporção de chuvas provocada pela extensão das secas ao longo de 2020 e 2021.
O artigo ainda apontou que não só as commodities tiveram os preços alavancados por conta da escassez hídrica em 2021, a conta de energia de moradores destas regiões também tiveram um aumento de até 130% comparadas a 2020.
Com essas informações, o leitor deve estar se perguntando: como o desmatamento da Amazônia está relacionado ao aumento expressivo de commodities e da energia elétrica das regiões Sul e Sudeste do Brasil?
A resposta é trazida por um estudo publicado na renomada revista científica Conservation Biology, por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em parceira com outras instituições.
Os pesquisadores monitoraram os fluxos de chuvas das regiões Sul e Sudeste do Brasil através de análises com dados de precipitação do Sistema Global de Assimilação de Dados Terrestres (GLDAS) da NASA.
O estudo, que monitorou as chuvas por mais de quinze anos, demonstrou que as chuvas das regiões Sul e Sudeste tem sua origem no Oceano Atlântico, migrando da costa Africana para a região Norte e Nordeste do Brasil.
O estudo ainda demonstrou que as chuvas vindas do Oceano Atlântico eram recicladas pela Floresta Amazônica, através de evapotranspiração (tipo de respiração realizada pela vegetação).
Além disso, essa alta quantidade de vapor d'água expelida pela Floresta Amazônica se ligava aos chamados aerossóis, que são pequenas partículas também emitidas pela floresta que propiciam a formação de chuvas.
Por sua vez, foi demonstrado que essa grande quantidade de vapor d'água condensada formava células de alta pressão que induziam ventos de superfície carregados de umidade que encontram na Cordilheira dos Andes uma barreira, se direcionando para as regiões Sul e Sudeste do Brasil com toda a umidade expelida pela floresta.
Além disso, o estudo mostrou que a perda de floresta pelo avanço do desmatamento no "arco do desmatamento Amazônico", tem causado anomalias climáticas que já interferem no ciclo das chuvas da região Sul e Sudeste do Brasil.
Devido a alteração deste ciclo hídrico, os pesquisadores observaram a formação de uma célula de instabilidade climática que se estende do Sul de Minas Gerais, até a cidade de São Paulo.
Segundo o estudo, esta área vem sofrendo uma série de anomalias climáticas por conta do desmatamento na Amazônia, que podem ser do aumento da estação seca, ao aumento de chuvas concentradas nas estações de chuvosas.
Desta forma, com o avanço do desmatamento na Amazônia, é esperado que estações secas se tornem mais longas e mais severas no Sul e Sudeste do Brasil, tendo consequências diretas para a agricultura, indústria e abastecimento humano.
Já durante o período de chuvas, de acordo com relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), é esperado maior volume de chuvas concentrados em um curto período, causando alagamentos e enchentes.
Com isso, os impactos climáticos não se limitarão apenas a impactos substanciais na produção agrícola e abastecimento humano das regiões Sul e Sudeste do Brasil por conta de secas mais severas, mas também devem ocorrer com mais frequência e em maior intensidade impactos diretos sobre a população no período de chuvas, devido a alagamentos e enchentes.
O estudo da Conservation Biology, ainda aponta a necessidade de políticas de desmatamento zero para a Amazônia, e que outros estados se posicionem contra grandes empreendimentos que acelerem a perda de floresta e impactem o ciclo hidrológico do Brasil.
Um destes grandes empreendimentos é a rodovia BR-319, estrada que rasga a Amazônia, ligando Porto Velho no estado de Rondônia, localizado no "arco do desmatamento", até Manaus no estado do Amazonas.
De acordo com publicação na Die Erde, periódico científico editado pela Associação Geográfica de Berlin, a pavimentação da rodovia BR-319 irá impactar substancialmente as chuvas da região Sul e Sudeste do Brasil, incluindo a grande São Paulo.
A revista Science, considerada um dos maiores periódicos científicos do mundo, também já destacou a inviabilidade do empreendimento.
Ignorar os diversos relatórios científicos é comprometer o PIB do Brasil, afetar a agricultura, a indústria e a população das regiões com maior concentração urbana no país.
Além disso, relatórios climáticos do IPCC apontam que as mudanças climáticas até 2100 devem aumentar em até 6ºC a temperatura em toda a região norte do país, o que afetará drasticamente os estados da região Amazônica, tornando crucial a preservação da floresta para mitigar estes efeitos.
Neste momento, a ação participativa dos estados do Sul e Sudeste do Brasil na defesa da Amazônia é fundamental e necessária para a soberania nacional, conforme apontado pelos estudos científicos mencionados.
*Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), mestre e doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
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