Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Morte yanomami mostra por que repetimos 'nunca mais' ao falar do Holocausto
No dia 27 de janeiro de 1945, as forças soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Estima-se que, no local, um milhão e 500 mil pessoas tenham morrido, vítimas do regime nazista.
As formas de morrer durante o Holocausto eram diversas: por fome, por exaustão após horas infindáveis de trabalhos forçados, à tiros, nas câmaras de gás. O projeto de massacre não cabia nas palavras que existiam até então e, por isso, em 1944, ainda durante o nazismo, o advogado judeu Raphael Lemkin cunhou o termo "genocídio".
Genocídio é o resultado da junção de duas palavras: genos (tribo, do grego) e cide (matar, do latim). Assim, genocídio é matar uma tribo. No caso da Segunda Guerra Mundial, as principais vítimas foram os judeus, com cerca de 6 milhões de pessoas judias assassinadas durante o nazismo.
Vivemos um momento difícil em relação à preservação da memória do Holocausto. Os sobreviventes estão morrendo e, com isso, temos de encontrar outros guardiões dessa história. Mas por quê? Por que é tão necessário reunir relatos e repassar a história do extermínio de um povo?
Na comunidade judaica, em datas que remetem ao Holocausto - ou shoá, como tratamos em hebraico da tragédia particular dos judeus -, costumamos dizer "nunca mais". E esse, entendo, é o principal motivo pelo qual devemos nos preocupar com a memória: nunca mais deixar que nada parecido se repita. Nem com os judeus, nem com qualquer outra "tribo".
Poucos dias antes da data instituída pela Organização das Nações Unidas como Dia da Lembrança do Holocausto, o Brasil se chocou com as fotos do povo yanomami, em Roraima. Crianças, adultos e idosos desnutridos, doentes - esses alguns do que sobreviveram, porque os números do Ministério dos Povos Indígenas mostram que 570 crianças morreram por fome e contaminação por mercúrio nos últimos quatro anos.
Como assistir a essas cenas, ver as fotos e não lembrar dos campos de concentração nazistas? Dos judeus desnutridos, famintos, assassinados por aqueles que consideravam que eram uma raça inferior? Como não ir à origem do termo "genocídio", que fala da morte de uma tribo?
Quando dizemos "nunca mais", é preciso pensar além do período entre 1933 a 1945. É preciso pensar em 2023. A missão de manter viva a memória do Holocausto é importante para que nenhum povo nunca mais seja submetido a tais condições.
É comum que surjam críticas quando são feitas comparações. Alguns dizem que, ao fazer paralelos, estamos "banalizando o nazismo". Não. Ao fazer comparações honestas, estamos combatendo o nazismo. Estamos falando de povos mortos de forma sistemática, com anuência do Estado. Tanto os judeus quanto os yanomami.
Uma outra frase que costuma ser repetida em datas que remetem ao Holocausto é "nós lembramos". Lembrar, claro, é importante. Mas não é efetivo lembrarmos sem ter um objetivo: que nunca mais aconteça com qualquer outro povo.
Precisamos, além de lembrar, entender. Entender que o nazismo começou muito antes do genocídio. Entender que o nazismo escolheu suas vítimas, entender que o genocídio contra essas vítimas se produziu depois de elas serem excluídas social e legalmente e entender que nada nessas vítimas justifica sua vitimização.
Ou seja, entender o Holocausto significa que as práticas de genocídio que o caracterizam têm possibilidade e condição de se repetirem hoje. Talvez nesse país. Talvez em Roraima. Talvez na terra indígena do yanomami. Talvez hoje. Nesse momento.
Lembrar sem entender é arriscado. Nos prende ao passado. Que sejamos capazes de entender pra lembrarmos. Para que possamos intervir no presente e mudar o futuro.
*Anita Efraim é jornalista, mestre em Comunicação Política pela Universidad de Chile, apresentadora do podcast "E eu com isso?" e coordenadora de Comunicação do Instituto Brasil-Israel.
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