Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Militares atuaram em meio à pandemia contra Amazônia e povos indígenas
Militares atuaram contra a Amazônia e os povos indígenas, é o que apontam pelo menos dois artigos científicos publicados na Die Erde, renomada revista científica editada pela Associação Geográfica de Berlim. Durante o governo Bolsonaro (PL), foi instituída uma política de militarização de vários órgãos de proteção ambiental e indigenista, como o Ibama e a Funai. Os estudos realizaram um dossiê de ações em que militares enfraqueceram a fiscalização de áreas protegidas e terras devolutas na Amazônia, além de terras indígenas.
Um dos artigos ainda apontou que o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro Ricardo Salles (PL) chegou a sugerir aproveitar a atenção da mídia voltada para a pandemia de covid-19 como uma "oportunidade" para enfraquecer a legislação ambiental. Desta forma, o artigo da Die Erde argumenta que tanto a pandemia quanto a militarização da proteção ambiental do Brasil serviram como cortinas de fumaça para enfraquecer as proteções ambientais e também colocaram os povos indígenas do Brasil em risco através de uma série de violação de seus direitos.
Em uma reunião ocorrida em janeiro de 2020 em Davos, líderes empresariais deixaram claras as suas preocupações ao ex-ministro da Economia do Brasil Paulo Guedes sobre as posições ambientais do país. Após o retorno do ministro ao Brasil, o ex-presidente Bolsonaro criou o Conselho da Amazônia, para "coordenar" todas as ações na região, incluindo o combate ao desmatamento e a incêndios.
O conselho foi composto por 19 militares e excluiu órgãos ambientais, a sociedade civil, organizações indígenas e institutos de pesquisa. O conselho ainda foi presidido pelo ex-vice-residente do Brasil general Hamilton Mourão (Republicanos).
A publicação ainda destacou que, em reunião ministerial em abril de 2020, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles pediu aos colegas ministros que aproveitassem a atenção da mídia voltada para a pandemia de covid-19 para "passar a boiada". A "boiada", nesta expressão, sendo uma alusão a medidas de desmantelamento de regulamentos e da legislação ambiental. Em 13 de julho de 2020, duas semanas após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgar dados de desmatamento contradizendo o ex-presidente Bolsonaro, a chefa do programa de monitoramento do desmatamento do Inpe foi exonerada. Duas semanas depois, o general Mourão afirmou falsamente que, comparando a taxa de desmatamento de maio de 2019 com a de maio de 2020, "a queda é praticamente total". No entanto, os dados do Inpe mostram um aumento no desmatamento nos primeiros seis meses de 2020 em comparação com 2019.
Além disso, a publicação apontou que militares que deveriam atuar na repressão ao desmatamento da Amazônia evitaram realizar operações em hotspots de desmatamento (áreas que concentram o desmatamento). Estes mesmos militares também atrapalharam intencionalmente as fiscalizações ambientais, de acordo com relatos de fiscais do Ibama. Os militares também distribuíram cloroquina aos povos indígenas como "tratamento" para a covid-19, apesar dos resultados de várias pesquisas demonstrarem a falta de eficácia da droga contra a doença.
Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine atestou que a cloroquina aumenta o risco de internação e óbitos para pacientes com covid-19, o que aumenta a letalidade da doença em indígenas que já são um grupo de risco da doença. Em estudos publicados nos renomados periódicos Science, Nature Medicine e no Journal of Public Health Policy, foi destacada a vulnerabilidade dos povos indígenas à covid-19 e como as ações do governo Bolsonaro vulnerabilizou ainda mais os povos tradicionais do Brasil.
Preocupantemente, como também destacado pela Science em um segundo artigo, invasores chegaram a utilizar a covid-19 como arma para tentar dizimar comunidades indígenas invadidas. Em um estudo publicado pelo periódico Land Use Policy, relatos do cacique do povo apunirã, que vive em Tapauá, no estado do Amazonas, também destacaram que invasores e grileiros estavam disseminando a covid-19 entre os indígenas. Embora a região em que a terra indígena apurinã está inserida tenha concentrado taxas de desmatamento até 2,6 vezes maior que a de outras partes da Amazônia devido às invasões de mineradores, grileiros e madeireiros, como destacado no periódico Land Use Policy, nenhuma fiscalização por parte do Conselho Amazônia, gerido pelo ex-vice-presidente general Hamilton Mourão ou pela Funai também liderada por um militar, o coronel da PM Marcelo Augusto Xavier da Silva, foi realizada.
No mesmo estudo, também foi apontado que unidades de conservação geridas pelo ICMbio, também sob o comando de um coronel da PM, Homero de Giorge Cerqueira, tiveram aumento de invasões e desmatamento, não havendo nenhuma ação do governo federal para coibi-los. Em 2019, em uma publicação no periódico Environmental Conservation, que é editado pela Universidade de Cambridge, eu e o prêmio Nobel e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Philip Martin Fearnside apontamos que a militarização dos órgãos de fiscalização ambiental e indigenista enfraqueceriam a proteção da Amazônia e de seus povos originários.
Como solução, os artigos em periódicos científicos têm apontado que para reduzir o desmatamento na Amazônia e proteger os povos indígenas, é crucial que o atual governo do presidente Lula (PT) realize uma profunda desmilitarização de órgãos ambientais e indigenistas, como Ibama, ICMBio e Funai. Além disso, é preciso fortalecer estes órgãos com mais recursos, propiciando condições adequadas para a atuação dos fiscais.
Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em biologia (ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas áreas de pesquisa, têm investigado como grandes empreendimentos como estradas, o desmatamento e mineração impactam os povos indígenas e os ecossistemas amazônicos.
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