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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De MG à Amazônia, a mineração deixa rastros nas águas do Brasil

Vistoria do Ibama em julho de 2016 no trecho atingido pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora da Samarco, em Mariana, Minas Gerais - Felipe Werneck/Ibama.jpg
Vistoria do Ibama em julho de 2016 no trecho atingido pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora da Samarco, em Mariana, Minas Gerais Imagem: Felipe Werneck/Ibama.jpg

Tainah Ramos*

22/03/2023 06h00

Enquanto a Espanha se banhava nos rios de metais preciosos dos territórios invadidos, como em Potosí, na Bolívia, Portugal tardou para encontrá-los. Em um primeiro momento, a invasão portuguesa se dedicou ao desmatamento do litoral brasileiro, da Zona da Mata no Nordeste para o monocultivo da cana-de-açúcar até a área compreendida entre Santos e São Paulo, no Sudeste.

Aos poucos, a Mata Atlântica passou a ser explorada por bandeirantes, que adentravam a floresta em busca de recursos naturais, de indígenas para escravizar e de quilombos para destruir — até que encontram filões de ouro entre a Serra da Mantiqueira e a cabeceira do rio São Francisco, região compreendida como o estado de Minas Gerais. Ali começa a história que não acaba, senão com o mundo dos povos originários.

Após décadas, o estado de Minas Gerais e a Amazônia Legal — região florestal que abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão — têm em comum a destruição deixada pela atividade mineradora.

Embora a Coroa portuguesa tenha exaurido a maior parte do ouro de Minas, a mineração na região segue para o minério de ferro, manganês, níquel, cobre e cobalto, agora na mão de grandes empresas, principalmente estrangeiras. Era 5 novembro de 2015, quando rompeu a Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela empresa anglo-australiana BHP Billiton, em um desastre ambiental e humano, no distrito de Bento Rodrigues, a 35 quilômetros do centro do município de Mariana.

O episódio chamado de "Desastre de Mariana" é considerado a maior tragédia ambiental do país, com a contaminação do Rio Doce, do solo, 19 mortos e centenas de desalojados. Mas não foi o único: em 25 de janeiro de 2019, outra barragem, também controlada pela Vale, rompeu agora no município de Brumadinho, com saldo de 270 mortos e a contaminação do Rio Paraopeba.

A partir dos rios

A necessidade de lutar pelos rios da região nasceu muito antes. Não é apenas em tragédias como as citadas que eles são afetados. Em 2000, nasceu o Instituto Guaicuy, entidade de apoio ao Projeto Manuelzão - iniciativa de professores de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que busca entender as causas das doenças presentes na região onde a universidade atua, revitalizando a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas a partir da ideia que a água é um indicador da qualidade de vida de uma população.

Por ser parte da UFMG, o Manuelzão não poderia participar de espaços de luta, como a composição de conselhos e comitês que nasceram na década de 90.

"Por ter ideias bastante instituintes, o projeto precisava de um certo desvínculo com a Universidade para ocupar esses lugares políticos. Assim, o Guaicuy veio originalmente para levar esses ideais instituintes para fora da instituição de ensino. Passamos a participar de vários conselhos, estamos no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) desde sua criação", afirma a diretora dos dois projetos e geógrafa, Carla Wstane. Desde então, o Guaicuy está presente em mais de 23 conselhos.

A proposta de atuação começou a partir da bacia do Rio das Velhas, um dos rios que compõem o Rio São Francisco. O trabalho foi se ampliando e abrange 51 municípios, desde cidades do interior até a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

"Atuamos em territórios que têm a mineração muito forte, que é o Alto Rio das Velhas, no Quadrilátero Ferrífero. Atuamos também na área urbana, na RMBH, e seguimos o curso da bacia até as áreas rurais, no encontro com o São Francisco."

Embora ofereça assessoria técnica de enfrentamento à mineração nos rios Paraopeba e Doce, é ao longo do Rio das Velhas que acontece a discussão sobre o impacto da urbanização, da própria canalização de água, como levar saneamento básico e como é feita a gestão das águas em Minas Gerais.

Wstane conta que a iniciativa tenta dialogar com o setor industrial, econômico, com a sociedade civil em escolas, igrejas e associações dos bairros para construir um imaginário sobre as águas, além de trabalhar em um conhecimento técnico que engaje toda a comunidade, criando núcleos de defesa territorial por microbacias.

"É necessário convocar vontades, ter a sensibilidade de olhar para o território, para o espaço, para as questões socioambientais, culturais e econômicas de modo que a gente consiga se ver e consiga buscar soluções de modo leve, descontraído e criativo, não apenas no embate", conclui.

Desastre causado pelo rompimento de barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG) - Felipe Werneck/Ibama.jpg - Felipe Werneck/Ibama.jpg
Desastre causado pelo rompimento de barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG)
Imagem: Felipe Werneck/Ibama.jpg

Fantasmas do passado

A devastação da Amazônia não é diferente do que já foi experimentado em Minas Gerais. Desde a década de 80, a busca pelo ouro assolou o município de Curionópolis, no sudoeste do Pará, onde Serra Pelada ficou eternizada pela destruição ambiental e social, registrada nas fotografias mundialmente conhecidas de Sebastião Salgado.

Na década anterior, formou-se a Operação Amazônia Nativa (OPAN), uma organização indigenista que buscou quebrar o padrão de toda a relação anteriormente estabelecida entre não-indígenas e indígenas, a partir da ideia de poder conhecer as sociedades e culturas dos povos originários. Sua atuação se concentra no Mato Grosso e no Amazonas, mas se associam a diversas organizações para promover as economias indígenas.

Coordenador geral da OPAN, Ivar Busatto explica que o bem estar dessas comunidades é o contato com a própria terra. "Indígena sem terra é indígena morto. Embora algumas Constituições previssem a demarcação de terras, foi na de 88 que foram dados detalhes de como isso poderia ser feito. É um avanço muito grande".

No entanto, essa garantia legal ainda está distante da prática. Segundo a base de dados do Instituto Socioambiental (ISA), há 729 Terras Indígenas (TIs) no Brasil em diferentes fase de demarcação: 488 homologadas e reservadas (processo completo), 74 declaradas (esperam a assinatura do Presidente da República), 43 identificadas (ainda não foram declaradas pelo Ministro da Justiça) e 124 em identificação (estão na fase de estudo pela Fundação Nacional do Indígena, a Funai).

O processo se tornou mais crítico durante o governo Bolsonaro (2019-2022), período em que nenhum território foi demarcado e aqueles já homologados têm experimentado ataques constantes, estimulados pela política anti-indígena do presidente Jair Bolsonaro (PL), especialmente na Amazônia.

"Olhem para as águas"

Como em Minas Gerais, a mineração - dessa vez com o garimpo ilegal - tem contaminado os rios com mercúrio. Todos os indígenas do Povo Munduruku, no Rio Tapajós, nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, que participaram de estudo da Fiocruz e do WWF Brasil estão afetados pela substância, sendo que, seis a cada dez, apresentaram níveis acima do limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde.

As águas dos rios fazem parte de toda a rotina das comunidades: para o consumo, preparo de alimentos, pesca e banho. A mesma pesquisa revelou que os peixes, sua principal fonte de proteína, analisados estão contaminados.

Mas não é só o garimpo que ataca o meio ambiente, povos indígenas e povos tradicionais. Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, o total de área desmatada na Amazônia legal era de 7.536 km². Ao fim de 2019, o número era de 10.129 km². Em 2020, foram 10.851 km². E, em 2021, atingiu seu índice mais alto em 12 anos, com perda de 13.038 km² de floresta. Esses são os dados disponibilizados pelo PRODES, programa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que faz o mapeamento oficial das perdas anuais da vegetação nativa no bioma, a partir de imagens de satélite.

Além do tráfico ilegal de madeira, a maioria das áreas desmatadas se tornam utilizadas para a agropecuária, como mostra o infográfico abaixo, elaborado pelo MapBiomas, iniciativa que faz um mapeamento anual da cobertura e uso do solo, superfície de água e cicatrizes de fogo com dados a partir de 1985.

Infográfico da evolução anual da cobertura e uso da terra - Map Biomas - Map Biomas
Infográfico da evolução anual da cobertura e uso da terra
Imagem: Map Biomas

A proteção dos povos originários e seus territórios representam a proteção da floresta. Pesquisa feita pelo ISA comprovou que, nas Terras Indígenas, a taxa de preservação da vegetação nativa da Amazônia é de 95%. No entanto, as pressões externas atingem diretamente a qualidade de vida das populações.

"No Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, por exemplo, todas as cabeceiras do Rio Xingu nascem fora da TI e é uma área de frente expansionista da agropecuária. Isso é um problema porque muitas vezes as águas não vêm preservadas", pontua Busatto.

Embora distante geograficamente, o coordenador da OPAN converge, ao fim, para a base de atuação do Instituto Guaicuy e defende a preservação da água como um ponto de partida para a proteção dos territórios: "Olhem para as águas, para onde nascem. A água é um elemento fundamental, onde tem água, tem vida".

*Tainah Ramos é jovem jornalista com experiência na cobertura socioambiental, tem passagem pela Agência Pública e pelo Lei.A | Conhecimento e ação pelo meio ambiente, observatório de leis ambientais e culturais. Formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, atualmente é assistente de comunicação da Ajor (Associação de Jornalismo Digital).