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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Mãezona' da comunidade, ela tira crianças da rua e dá novo lar a moradores

Maria Luiza Ferreira, conhecida como Mãezona, é uma das principais lideranças comunitárias de Guaranys, na Cidade de Deus. - Júlia Mendes/TETO
Maria Luiza Ferreira, conhecida como Mãezona, é uma das principais lideranças comunitárias de Guaranys, na Cidade de Deus. Imagem: Júlia Mendes/TETO

Júlia Mendes*

14/05/2023 06h00

É difícil chegar à comunidade de Guaranys sem ouvir falar da "Mãezona", como é carinhosamente chamada Maria Luiza Ferreira. Aos 61 anos, ela dedica a maior parte do seu tempo à defesa da comunidade localizada no bairro da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro (RJ).

Com apoio de nós, voluntários da TETO, organização sem fins lucrativos que combate a pobreza em 18 países latino-americanos, Mãezona construiu uma sede comunitária para Guaranys em uma praça que já foi motivo de muita dor para os moradores da região.

Lá, o garoto Thiago de Souza, que dá nome à sede, foi assassinado aos 10 anos, em 2018. Com lágrimas nos olhos, Luiza me conta que Thiago lia na praça quando foi atingido por um tiro — até hoje, não se sabe de onde a bala veio.

Como os pais não tinham condição de arcar com o enterro da criança, ela decidiu ajudar a família. Com o tempo, ficou mais conhecida na comunidade e se tornou a Mãezona, principal referência comunitária de Guaranys.

Com inauguração prevista para a próxima semana, a sede foi construída por nós, voluntários da TETO, juntamente com os próprios moradores. Além do instituto, a ONG também atua na construção de moradias de emergência para famílias em situação de extrema vulnerabilidade.

Maria Luiza Ferreira, conhecida como Mãezona - Júlia Mendes/TETO - Júlia Mendes/TETO
Maria Luiza Ferreira, conhecida como Mãezona
Imagem: Júlia Mendes/TETO

'Tirar as crianças da rua'

Com brilho nos olhos e um sorriso enorme, Luiza conta dos seus planos para o novo espaço: "tirar as crianças da rua". De acordo com ela, no instituto haverá aulas de reforço, atendimento psicológico e torneios para as crianças, além de aulas de línguas — duas moradoras angolanas da comunidade ensinarão inglês e francês.

A ideia surgiu após Mãezona oferecer café a uma moradora, que a tinha procurado para conversar sobre alguns problemas com o filho. "Sei que aqui tem muita mãe carente e um café na xícara faz diferença", diz ela, que planeja realizar este encontro com outras mães da comunidade.

Procurada pela ONG durante a pandemia, quando muitos moradores passavam fome em Guaranys, Luiza diz que as ações estão fazendo a diferença não apenas na sua vida, mas na vida da comunidade. "A TETO abriu horizontes que nós não tínhamos. Voltamos a sonhar", diz.

Mãezona e o voluntário Miguel Fierro na construção da sede comunitária em Guaranys - Júlia Mendes/TETO - Júlia Mendes/TETO
Mãezona e o voluntário Miguel Fierro na construção da sede comunitária em Guaranys
Imagem: Júlia Mendes/TETO

Dar a quem mais precisa: o instinto de 'mãezona'

Nascida em Aracaju (SE), Luiza veio para o Rio de Janeiro aos 10 anos. Uma das primeiras moradoras da região da Avenida Comandante Guaranys, há alguns anos ela trabalha como doméstica em três casas diferentes, após largar a ocupação de cabeleireira e manicure durante a pandemia.

Principal ponto de contato entre ONGs e a comunidade de Guaranys, ela conta com uma grande rede de apoio para garantir cestas básicas, e outros tipos de doações, aos moradores. "Gosto de servir. Acho que nasci para isso", diz.

Em Guaranys, Mãezona é a referência da partilha. Sempre que pode, oferece aos moradores cafés da manhã e almoço. Apesar de morar apenas com o neto e o marido, todo ano compra quatro pratos para o Natal, à espera de um morador com fome bater na sua porta. E sempre aparece um.

Uma das principais lideranças de Guaranys, Luiza dedica sua vida ao fortalecimento da comunidade. - Divulgação/Sergio de Pinho - Divulgação/Sergio de Pinho
Uma das principais lideranças de Guaranys, Luiza dedica sua vida ao fortalecimento da comunidade.
Imagem: Divulgação/Sergio de Pinho

"O que sobra de legumes lá ela sempre dá para todo mundo", diz Enzo Gabriel, de 10 anos, morador de Guaranys. Esse instinto de mãezona vem desde a infância, quando compartilhava até os sapatos com o irmão.

'O acolhimento para a comunidade é gigantesco'

Para ser uma líder comunitária, Mãezona reconhece, é preciso abdicar de parte de sua vida pessoal em prol do coletivo. Apesar do cansaço e dos grandes desafios, ela faz esse papel melhor do que ninguém.

"O acolhimento que ela dá para a comunidade é gigantesco. A gente já sente isso, mas imagina isso para quem não tem nada? É imenso", conta a voluntária da TETO Anna Paolla Santos.

Nas lágrimas de Luiza, vemos esse acolhimento com o amigo Laerte, o "Perninha", que ganhou uma nova casa da TETO. Para fugir das goteiras de sua antiga moradia, Laerte tinha de se cobrir à noite em um saco de lixo. Hoje, diz que seu novo lar é uma "mansão".

Laerte, conhecido como "Perninha", ao lado dos voluntários em frente à sua nova casa. - Jonathan Ferreira da Silva e Juliana Miller Gomes/TETO - Jonathan Ferreira da Silva e Juliana Miller Gomes/TETO
Laerte, conhecido como "Perninha", ao lado dos voluntários em frente à sua nova casa.
Imagem: Jonathan Ferreira da Silva e Juliana Miller Gomes/TETO

Apesar de ainda não ter um novo teto, Mãezona não esconde sua alegria ao ver novas casas na comunidade — no fundo, é como se ela tivesse ganhado também. "Sonho realizado! É eu saber que não foi por causa de mim, mas colaborei para isso acontecer."

*Júlia Mendes é estudante de jornalismo na UFRJ e voluntária da TETO no Rio de Janeiro. Na organização, ela já fez parte da equipe de construção e hoje é coordenadora de comunicação do projeto Guaranys, que, junto com a Mãezona e outros moradores da comunidade, está construindo uma sede, um parque e 20 moradias até o fim de 2023.