Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Não há combate à crise climática sem pensar em alimentação e saúde
O mês de julho foi o mês mais quente já registrado nos últimos 120 mil anos. As mudanças do clima, geradas pela ação humana com o uso indiscriminado e exaustivo dos recursos naturais, apresentam desafios em escala global.
Está claro que nossos sistemas alimentares, centrados na produção de commodities, têm contribuído para os processos de desertificação, o esgotamento e as alterações nos regimes pluviais, a extinção de espécies, o extermínio de povos, culturas, gostos alimentares e o desequilíbrio ecológico generalizado.
Todos estes fatores colocam a produção e o consumo de alimentos no centro do debate, e são alertas sobre a urgência do necessário encontro entre as agendas de desenvolvimento social, econômico e ambiental no âmbito das políticas sociais conectadas ao Direito à Alimentação e à Saúde.
O Direito à Alimentação, integrado às condições socioeconômicas, culturais e ambientais determinantes da Saúde Pública, pode oferecer caminhos ao impulsionar a construção de sistemas alimentares e tecnologias sociais capazes de combater a pobreza, a fome, as injustiças climáticas e o racismo ambiental.
É na dimensão da produção de alimentos, aliada à reprodução da vida, que camponeses/as e especialistas têm lutado para massificar o uso da agroecologia enquanto ponto de encontro dos caminhos para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do Brasil.
As práticas agroecológicas, além de avanços no campo do conhecimento científico, englobam processos educativos que são passados entre as gerações. Dentre esses, está a produção de insumos biológicos - também conhecidos como bioinsumos.
Em Seberi, no Rio Grande do Sul (RS), Desde 2005, a Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis (Cooperbio), ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA, produz bioinsumos em larga escala para a promoção da transição agroecológica entre os trabalhadores do campo.
A produção de bioinsumos em larga escala, em meio a uma das regiões do país demarcada pelo uso intensivo de agrotóxicos para o monocultivo de soja, milho e trigo direcionado ao mercado de commodities, significa a concretização de melhores condições econômicas, de trabalho e de saúde na produção de alimentos pelos pequenos agricultores familiares e de combate à deterioração ambiental.
Bioinsumos são utilizados, basicamente, para o controle de pragas e doenças e para fortalecer o crescimento das plantas. São desenvolvidos a partir de microorganismos vivos que são benéficos à produção e ao restabelecimento da vida do solo e incidem na proteção da Saúde Pública, seja retirando a necessidade de manejo de produtos contaminantes pelos camponeses em suas plantações, seja oferecendo alimentos saudáveis aos consumidores.
Por isso, as práticas agroecológicas em geral, e a produção de bioinsumos em particular, permitem não só maior autonomia entre os campesinos, mas a construção de seu papel enquanto "guardiões da natureza".
Vivi Chiarello, campesina do MPA, pontua que mesmo aqueles que já vivem do campo, a partir da utilização dos bioinsumos "começam a olhar de forma diferente, vendo que preservar o meio ambiente, preservar ou resgatar uma fonte de água tem uma importância gigantesca".
O uso de bioinsumos em larga escala é um caminho possível e efetivo para o combate à crise climática. Estratégia que permite relacionar a agenda social, econômica e ambiental, oferece uma janela de oportunidades, não só aos trabalhadores do campo, pressionados pelo ciclo de dependência do uso de insumos químicos e contaminantes fornecidos pela cadeia produtiva do agronegócio, agravando as mudanças do clima, mas também favoráveis ao direito à alimentação e à saúde.
*Denise de Sordi é Historiadora e doutora em História Social, pesquisadora na Fiocruz e pesquisadora de pós- doutorado do Departamento de Sociologia da FFLCH/USP. É especialista em políticas e programas sociais de combate à pobreza e à fome e nas relações entre movimentos sociais e Estado no Brasil contemporâneo.
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