Opinião

El Niño, tempo seco e ondas de calor: o que esperar do próximo verão?

Acabamos de sair do mês de julho mais quente da história, com temperaturas recordes no ar e no oceano. Já não é mais novidade: a emergência climática está aqui, entre nós.

O que antes talvez fosse sentido só pelas comunidades da linha de frente está cada vez mais evidente no cotidiano de qualquer morador dos grandes centros urbanos, com dias de inverno que parecem se confundir com o início do verão.

O recorde de temperatura observado na superfície do oceano está em parte ligado ao El Niño, um fenômeno climático natural que ocorre em ciclos de aproximadamente sete anos.

El Niño se caracteriza por mudanças no sistema de ventos, fazendo a temperatura da água superficial do Oceano Pacífico, na costa do Peru, ficar muito mais quente.

O nome El Niño, inclusive, vem do jargão usado pelos pescadores locais há muitas décadas, que atribuíam as águas anormalmente quentes ao nascimento do menino Jesus, já que o evento costuma atingir seu pico na época do Natal.

Mas não podemos esquecer que esses padrões climáticos também estão sendo exacerbados pelas mudanças climáticas, tanto que até agora o atual El Niño ainda é considerado fraco, o que indica que as temperaturas do oceano provavelmente aumentarão ainda mais.

Impactos esperados do El Niño. Infográfico adaptado de Economist Intelligence Unit com dados de International Researh Institute for Climate and Society, United Nations Environment Programme/GRID-Arendal; World Metereological Organisation; Oceana; Infobae; La Nación (Argentina); 2000 Agro (Argentina); Meteored (Chile); BioBio Chile; Ministerio de Agricultura (Colombia).
Impactos esperados do El Niño. Infográfico adaptado de Economist Intelligence Unit com dados de International Researh Institute for Climate and Society, United Nations Environment Programme/GRID-Arendal; World Metereological Organisation; Oceana; Infobae; La Nación (Argentina); 2000 Agro (Argentina); Meteored (Chile); BioBio Chile; Ministerio de Agricultura (Colombia). Imagem: XL Catlin Seaview Survey.

E o problema de um oceano mais quente vai muito além do derretimento das geleiras, já que os mares são o principal mecanismo de regulação do clima do planeta, além de absorverem o calor e atuarem como sumidouros de carbono.

Os cientistas acreditam que os oceanos absorvem atualmente entre 30% e 50% do gás carbônico produzido pela queima de combustível fóssil.

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Ou seja, sem os oceanos, o aquecimento do planeta seria mais alto do que os preocupantes níveis atuais.

Essa diluição massiva de gás carbônico nas águas marinhas altera o balanço químico e provoca a chamada acidificação dos mares.

Uma das consequências diretas mais conhecidas é o branqueamento de corais, quando os corais ficam tão vulneráveis com as altas temperaturas e águas ácidas que acabam perdendo as algas que lhes conferem vida, deixando só seus esqueletos brancos para trás.

Foto mostra evento de branqueamento de corais nas Ilhas Samoa.
Foto mostra evento de branqueamento de corais nas Ilhas Samoa. Imagem: XL Catlin Seaview Survey.

E quando o inverno é quente como o verão, o que esperar do verão? O El Niño tipicamente provoca alterações em toda a América Latina, mas de maneira diferente entre as regiões.

No Norte e boa parte do Nordeste do país, podemos esperar um tempo mais seco, o que potencializa as queimadas criminosas na Amazônia e no Cerrado, além de alterar o fornecimento de energia em uma região dependente de hidrelétricas.

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Já no Sul brasileiro, acontece o contrário, com mais chuva que o normal, e potenciais enchentes. O Sudeste fica entre os dois extremos, e já podemos nos preparar para eventos extremos de ondas de calor intercaladas com chuvas torrenciais.

É bem possível que durante esse evento de El Niño a temperatura do planeta exceda o aquecimento de 1,5°C acordado no Acordo de Paris.

Enquanto nos preparamos para o imprevisto e cobramos nossos governantes para implementar políticas que nos ajudem a lidar com o "novo normal", aqui vão algumas dicas de como manter a esperança durante (mais um) apocalipse:

Adote um coral! No mundo começaram a surgir iniciativas que promovem o cultivo de corais para ajudar os recifes a combater o branqueamento, e a Biofábrica de Corais é pioneira no Brasil. No site deles, você pode adotar corais.

Procure os especialistas em resistência (nosso país está cheio deles!). Nas grandes cidades, vale procurar as lojas do Armazém do Campo; e fora dos centros urbanos, lembrar dos povos indígenas que há mais de 500 anos vem lidando com o fim do mundo como conheciam - o que você sabe sobre os da sua região?

Na hora de dar uma fugida para repor as energias, você também pode buscar fortalecer iniciativas que fogem da lógica do lucro, como a Viva Lá, referência em turismo sustentável ou o Portfólio Destino Natureza da Fundação Grupo Boticário, que reúne projetos apoiados pela fundação que podem ser visitados.

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*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestre em Práticas de Desenvolvimento Sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis.

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