Opinião

As escolas que os adolescentes precisam para lidar com suas transformações

É possível imaginar por quantas transformações um adolescente passa ao chegar ao 6º ano do ensino fundamental? Habituado a ser acompanhado por apenas um professor desde o 1º ano —e ao vínculo que isso proporciona—, já na primeira semana do 6º ano é apresentado a um conjunto de novas disciplinas que demandam vários docentes, agora especialistas.

Para aqueles alunos que necessitam ou optam pela mudança de escola, os desafios são maiores. E há ainda outro ponto essencial a se considerar: as rupturas com o universo infantil na chegada da adolescência, trazendo transformações marcantes nos aspectos físico, emocional e social.

Essas constatações são importantes para direcionarmos um olhar mais atento para as turmas de 6º a 9º ano, os chamados anos finais do ensino fundamental. É urgente encarar essa etapa como o centro de um cenário complexo, do ponto de vista da experiência de se tornar adolescente. Representa, ainda, um período em que os níveis de reprovação, repetência e abandono, assim como de desigualdades de aprendizagem, crescem significativamente e de forma sistêmica em todo o país.

Os desafios e caminhos desse período estão retratados na pesquisa "Percepções e Desafios dos Anos Finais do Ensino Fundamental nas redes municipais de ensino", realizada pelo Itaú Social em parceria com a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), que ouviu 3.329 secretários de educação, representando cerca de 60% das redes municipais do país.

Um dos mais emblemáticos apontamentos desses profissionais diz respeito à saúde mental de estudantes e professores, sinalizado por 75% dos respondentes como um dos seus principais desafios, no cenário atual pós-pandemia. Esse é um tema complexo, em que escolas e secretarias de educação necessitam de um conjunto amplo de estratégias e apoio diário sistemático.

Os próprios resultados da pesquisa nos dão pistas importantes nesse sentido, já que as redes municipais são responsáveis por metade dos 10 milhões de estudantes em escolas públicas que oferecem essa etapa.

Dentro do campo das práticas e das lacunas relatadas pelos dirigentes de ensino, a pesquisa revela muitas oportunidades para cultivar o bem-estar mental e emocional de estudantes e profissionais. Por exemplo:

Metade dos gestores participantes já realiza com frequência atividades para valorizar a diversidade social e cultural dos territórios;

61% deles efetivam propostas de gestão democrática em que professores e alunos participam no desenvolvimento e implementação de estratégias curriculares ou de decisões nas escolas;

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Em 57,5% das redes municipais, as ações de expansão ou implantação da Educação Integral nas turmas de 6º ao 9º ano estão em pleno andamento.

Essas são frentes ainda mais relevantes, considerando que, nessa fase da vida, há o embate entre as expectativas dos colegas e a construção de uma identidade própria. Faz toda a diferença ter oportunidades e ambientes seguros em que se possa questionar, dialogar, opinar, interagir e aprender com seus pares, sem deixar de experimentar e explorar possíveis novos interesses e aprendizagens com o apoio de adultos que se identificam e entendem de adolescências.

Temos sólidas razões para acreditar que há outros movimentos positivos, embora ainda tímidos, acontecendo nas redes municipais que se debruçam sobre o desafio de propor escolas melhores para os adolescentes. Algumas delas, revela o estudo, investem, em determinado momento do ano, em formações continuadas para professores com temáticas específicas sobre problemas de saúde mental e aspectos socioemocionais dos estudantes (70%) e ainda sobre bullying e dificuldades de convivência dos alunos (67%).

Mas há espaço para mais investimento no apoio a professores para o trabalho com adolescentes. Sete em cada dez redes investigadas pelo estudo indicam que ainda há carência de oferta de formações para docentes sobre os múltiplos aspectos que caracterizam os estudantes dos anos finais.

Para termos uma ideia, apenas pouco mais de 10% das redes de ensino oferecem quinzenal ou mensalmente formações sobre as mudanças e o desenvolvimento das adolescências. Também há muito espaço para o desenvolvimento de ações que fortaleçam a relação entre famílias, escola e comunidade - já que apenas 31% das redes municipais realizam iniciativas nesse sentido.

A chegada à adolescência pode ser um horizonte de possibilidades maravilhosas para estudantes, famílias e equipes escolares, em termos de projetos, descobertas, iniciativas, vínculos e intensidades. Mas, se aplicarmos uma lupa na realidade dos territórios, enxergamos um cenário em que inexistem políticas públicas pensadas e focadas nos Anos Finais, apoiando municípios e estados na superação ou no abrandamento de tantos desafios.

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Para serem bem-sucedidas, ações coordenadas precisam envolver o investimento em gestão escolar especializada, volume e adequação do trabalho docente, ações para recomposição das aprendizagens, mais participação dos estudantes, melhorias na relação família-escola e, ainda, um currículo ampliado na perspectiva da Educação Integral, com experiências mão na massa e articulação com diferentes atores e saberes do território.

O campo de pesquisa mostra, entretanto, que esses caminhos já começam a ser trilhados por parte dos municípios do país. Temos um retrato dos esforços —e também das preocupações— de mais de três mil municípios que não estão parados enquanto aguardam a chegada de uma política nacional de educação de qualidade voltada para as especificidades dos Anos Finais. É importante lembrar que, se e quando vier, essa política precisa reconhecer —e fortalecer— os esforços das redes municipais para enfrentar de forma vigorosa esse período de transição tão marcante na vida dos estudantes.

*Patricia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social;
*Alessio Costa Lima é presidente da Undime e Dirigente Municipal de Educação de Ibaretama/CE.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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