Opinião

2023 será o mais quente em 125 mil anos: dá para se acostumar com o calor?

2023 está caminhando para quebrar diversos recordes de temperatura, sendo o ano mais quente dos últimos 125 mil anos, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, órgão da União Europeia. Sabendo que vem um cenário nada amigável pela frente, resta somente a dúvida: será que em algum momento a gente vai se acostumar com esse calor todo?

A boa notícia é que sim, nosso corpo desenvolve uma certa tolerância ao calor. Esse processo já foi estudado e é chamado de aclimatação ou aclimatização e não funciona só para temperaturas mais altas: aclimatar é o processo natural de um organismo ajustar-se a mudanças em seu habitat, geralmente envolvendo temperatura ou clima.

Na verdade, acontecem uma série de mudanças fisiológicas, que levam em média duas semanas, podendo chegar a alguns meses, que permitem que o corpo funcione melhor em um certo clima. No caso do calor, por exemplo:

  • há adaptações hormonais que reduzem a taxa metabólica basal;
  • o volume sanguíneo aumenta, ajudando a transferir o calor do núcleo do corpo para a pele, onde pode ser dissipado;
  • aumenta a produção de enzimas que auxiliam na dissipação de calor;
  • conseguimos suar com mais eficiência ao mesmo tempo que retemos melhor os eletrólitos.

É o fenômeno da aclimatação que ajuda a explicar por que aquele amigo europeu passando férias sente muito mais calor, ou porque jogadores de futebol precisam passar vários dias em elevadas altitudes antes de um jogo em La Paz, situada a 3.600 metros acima do nível do mar: o corpo precisa de um tempo para acostumar. Afinal, esse processo não é instantâneo e a capacidade de adaptação também depende da intensidade e duração da exposição. Qualquer progresso também é "perdido" quando as condições ambientais mudam, já que o organismo sempre busca o mínimo de estresse possível, se adaptando de novo às novas condições.

Seria a capacidade de aclimatar a chave para lidarmos com a emergência climática? Com certeza essa habilidade será importante, mas o tempo necessário para se adaptar às mudanças é um grande fator limitante em um cenário de emergência climática, em que eventos extremos estão cada vez mais comuns e ondas de calor duram alguns dias para depois serem substituídas por grandes tempestades.

No mesmo país, vemos a região Norte lidar com a maior seca em 40 anos, ao mesmo tempo que o Sul enfrenta chuvas monstruosas e até um meteo-tsunami.

Enchente em Rio do Sul, no Vale do Itajai (SC)
Enchente em Rio do Sul, no Vale do Itajai (SC) Imagem: MARCO FAVERO
Comunidade de Tumbira, às margens do Rio Negro (AM), sofre com a seca
Comunidade de Tumbira, às margens do Rio Negro (AM), sofre com a seca Imagem: TADEU ROCHA
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Por mais que essas condições extremas estejam sendo favorecidas pelo El Niño (fenômeno que ocorre a cada 5 ou 7 anos e caracteriza-se pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico equatorial), é importante lembrar que ele não é o único culpado. O Oceano Atlântico também está atingindo recordes de temperatura, como esperado num planeta que está aquecendo como um todo por conta da ação humana.

Enquanto os que podem buscam refúgio em salas com ar-condicionado, fica a dúvida: o que podemos fazer? Se queremos controlar a ebulição global para um aumento de "apenas" 2°C na temperatura média, ações individuais e coletivas são necessárias.

Ninguém gosta de ouvir, mas reduzir o consumo de carne é a forma mais eficiente de contribuir —e o calorão é um ótimo momento para trocar o bife por uma salada. E nesse final de ano, fica o convite para ajudar a financiar quem está fazendo diferente e usar nosso dinheiro para lutar com quem está com a gente, comprando de pequenos produtores, que se preocupam com o planeta, ao invés de só gerar mais lucro para as mesmas grandes empresas e continuar a financiar o sistema que nos colocou nessa.

Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestranda em práticas de desenvolvimento sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis.

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