Leilão de novos poços de petróleo ameaça Fernando de Noronha
O Brasil voltará da COP 28, o maior evento internacional para discussão da emergência climática, com um prêmio: de Fóssil do Dia. Na verdade, trata-se de um anti-prêmio, concedido sazonalmente de forma irônica para os países que "estão fazendo o máximo para atingir o mínimo", segundo a instituição responsável pela seleção dos vitoriosos.
Um dos grandes motivos da escolha do Brasil foi a decisão do país de entrar na OPEP+, organização que reúne os países exportadores de Petróleo e aliados, indo na contramão da conferência que clama pelo término da dependência de combustíveis fósseis. Mas esse não foi o único motivo: um dia depois do término da COP 28, em 13 de dezembro, o Brasil promoverá o maior leilão de poços de petróleo em oferta permanente em sua história.
Serão leiloados 603 blocos, muitos em áreas consideradas ambientalmente frágeis como nas proximidades de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas. Então as áreas leiloadas, além de serem futuras fontes de emissões de CO2, afetam unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas, desrespeitando todas as diretrizes ambientais da política nacional do meio ambiente e da própria ANP (Agência Nacional de Petróleo).
Os blocos próximos ao Atol das Rocas e a Fernando de Noronha são os que chamam mais atenção, por serem regiões de reconhecida sensibilidade socioambiental. A ilha famosa por suas belezas naturais e que costuma atrair as principais celebridades brasileiras é na verdade só a ponta que emerge de um conjunto de montes submarinos. Os blocos de petróleo em questão não atingem a ilha diretamente, mas estão sobrepostos à cadeia submarina que dá vida a Fernando de Noronha.
Mas a ilha famosa está longe de ser a única: outros 33 blocos também se sobrepõem às unidades de conservação que serão afetadas de alguma forma, além de 15 blocos a 22 terras indígenas e 12 blocos sobrepostos a 5 territórios quilombolas. Os recifes de corais do nordeste brasileiro, que em estudo recente pela Fundação Grupo Boticário demonstraram gerar mais de R$ 160 bilhões em proteção e serviços à costa, também estão ameaçados. Esse litoral pode ter 34.949,50 km² de ambientes coralíneos prioritários para a conservação sobrepostos pelos blocos.
A despeito de todos os dados, a questão é que, para o setor petrolífero, entretanto, a região e a margem equatorial são tidas como o "novo pré-sal". E, mesmo para parte do governo atual, essa ideia parece trazer um saudosismo quase irresistível.
Antes, dizia-se que os recursos do petróleo acabariam e por isso era importante usarmos os recursos financeiros para fazer uma transição energética. Hoje, com as melhores tecnologias de perfuração e extração, e novos poços constantemente sendo descobertos, fica nítido que os recursos do petróleo não se esgotarão tão rapidamente assim. O que precisa ficar mais nítido ainda, contudo, é que não podemos depender do fim do petróleo ou dos seus recursos para financiar a transição energética.
O Brasil das últimas semanas, de extremos climáticos de Norte a Sul, é o Brasil do futuro de agora. Se você viveu nesse país nas últimas semanas, sentiu na pele pelo menos algum deles. Para mudar esse quadro é preciso deslocar os investimentos, financiamentos e subsídios existentes E FUTUROS dos combustíveis fósseis para energias renováveis.
É uma mudança não apenas econômica, mas de compreensão da nossa sobrevivência no planeta. Isso exige investir nosso tempo e nossos recursos nas novas soluções, deixando de lado o que "deu certo" no passado, pois o certo de décadas atrás nos colocou nessa enrascada, e já não temos margem de segurança para brincar.
E isso é possível e já vem acontecendo: em 2021 tivemos um leilão de blocos nas proximidades de Fernando de Noronha. Após diversas mobilizações ambientalistas na época, a 17ª rodada foi um fracasso: 92 blocos foram ofertados, mas apenas cinco foram arrematados. E em campos já consolidados.
Por mais cansativo e frustrante que seja, as manifestações públicas têm se mostrado eficientes. Se nos foi prometido um governo não só ligado às questões ambientais, mas também mais aberto e participativo, cabe a nós cobrá-lo.
*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestre em práticas de desenvolvimento sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis.
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