Opinião

Bicicletas por Julieta Hernández: a arte, a força e o amor em movimento

Julieta representa o exato oposto de tudo que aconteceu com ela em 23 de dezembro de 2023, desde que perdeu contato com a família e amigos na cidade de Presidente Figueiredo (AM). Ela era afeto, alegria, paixão pela vida, generosidade, carinho com crianças e animais, atenção aos mais vulneráveis, coletividade, rede, força, coragem, potência e amor.

Sua vida era muito importante para muita gente, mesmo para quem não a conhecia. Prova disso é o tamanho da mobilização em sua homenagem que já ultrapassa 70 cidades pelo Brasil e pelo mundo. A maior parte dos atos acontecem na próxima sexta-feira (12).

Julieta Hernández tinha 38 anos, era venezuelana, palhaça, cicloviajante e bonequeira. Em sua terra natal, formou-se em veterinária, fez estudos na área do teatro e veio ao Brasil para estudar Teatro do Oprimido. Aqui, seguiu firme em suas pesquisas e experimentações artísticas, vivenciando cada vez mais a palhaçaria. Vivia no Brasil desde 2015 e, em 2019, começou a viajar de bicicleta, se apresentando como a palhaça Miss Jujuba por cidades de mais de 9 estados brasileiros. Nestas andanças, com seu cuatro venezolano [instrumento musical de quatro cordas] e muitos sonhos na bagagem, esteve em diversas pequenas comunidades pelos interiores do Brasil, participou de encontros e festivais autogestionados e compartilhava seus saberes de maneira voluntária por onde passava. Mesmo em projeto solo, participou de iniciativas coletivas como a Red de Payasas Venezolanas e os Palhaços Sem Fronteiras, no Brasil. Foi, e sempre será, considerada uma das maiores referências de artista nômade e migrante da América Latina.

O movimento chamado de "Bicicletada por Julieta" reúne grupos de ciclistas e artistas de todas as áreas que se uniram em solidariedade à família e amigos de Julieta pela dor da perda, mas também pela celebração de sua vida. Juli usava a bicicleta cotidianamente nos espetáculos, nas ruas e estradas. E era dessa forma - com simplicidade, calmaria e gentileza - que ela atravessava esse Brasil desde 2019, percorrendo as regiões Norte e Nordeste, num caminho que a levava de volta a seu país de origem enquanto compartilhava amor e acolhimento por onde passava.

A dor de sua perda de forma tão precoce e brutal tocou, sobretudo, mulheres por todo esse país, demonstrando como o feminicídio custa a vida de muitas de nós todos os dias de diversas formas. A violência e a crueldade que atingem corpos femininos e LGBT+ é algo escandaloso e que jamais deve ser normalizado pela sociedade, em qualquer que seja o contexto ou condições. NENHUMA A MENOS! Todas as pessoas - sobretudo corpos vulnerabilizados e dissidentes - têm o direito soberano de serem livres e viverem em condições de dignidade, humanidade e, principalmente, de paz.

É também pela coragem de ser quem é que Julieta nunca esteve sozinha. Somos muitas e, agora, Miss Jujuba é mais uma semente que irá germinar alegria, força e vida em nossos corações conectados em rede nesse balé de solidariedade e força - mas também de muita dor e revolta - que as bicicletadas e palhaçadas vão mostrar para o Brasil.

Vá em paz, Juli, você fez muito por aqui.

Veja aqui a lista de cidades onde haverá Bicicletada por Julieta

Quer organizar um ato? Entre em contato através dos perfis: Bicicletada Julieta e Circo di SóLadies|NemSóLadies

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Contribuições para apoiar a família de Julieta Hernández podem ser feitas via PayPal (sophialarouge@gmail.com) ou PIX (contato@circodisoladies.com.br). Todo valor arrecadado será repassado a família.

*Aline Cavalcante (@alinecavalcantebr) é jornalista, feminista, mãe e ativista socioambiental. Foi criada em Aracaju/SE, mas mora em São Paulo onde, há mais de uma década, começou a se envolver com cicloativismo, movimentos de mobilidade urbana e pelo direito à cidade. Foi uma das precursoras da mobilização nacional "Bicicletada por Julieta Hernández" (@bicicletadajulieta) que conta hoje com uma rede de quase 100 cidades.

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