Caminhabilidade: Brasil está pensando em quem se locomove a pé?
Toda vez que eu olho pra baixo, vejo meus pés. Mas eu não vejo os meus pés como mais uma parte significativa do meu corpo, mas como uma das formas de mobilidade mais democráticas na humanidade.
Com eles, eu posso ir do quarto pra cozinha, praticar esportes ou até mesmo ir a protestos. Dá pra pedalar por aí, chegar no ônibus ou no metrô. As possibilidades são grandes. Apesar de o brasileiro caminhar bastante, é difícil circular por aqui desse modo. O país não está sendo pensado para quem se locomove assim.
Mesmo com avanços significativos em políticas de planejamento urbano que priorizam a mobilidade do pedestre e não do motorista mundo afora, as nossas cidades ainda não perceberam que a caminhabilidade pode transformar a sua realidade por inteiro. Talvez você esteja se perguntando o que é caminhabilidade.
A caminhabilidade é um conceito desenvolvido por pesquisadores e planejadores da vida urbana mundo afora. Basicamente, é sobre a acessibilidade, a facilidade e a qualidade em que se pode acessar e viver em uma cidade.
Apesar dos incontáveis benefícios que podem existir com o impulsionamento da vida a pé, uma grande maioria de nós, especialmente quem vive em centros urbanos, ainda não consegue acessar suas necessidades de forma rápida e sem depender de um carro.
É muito comum que tenhamos que fazer longos deslocamentos para acessar serviços de saúde, estudar algo que gostamos e até mesmo trabalhar.
Ao me dar conta que durante todo o meu ensino médio eu passava vinte horas semanais no transporte público para chegar a uma escola federal de qualidade, percebi que o jeito que a gente vive está bem errado.
Certas vezes, depois de trabalhar o dia todo, é muito mais cômodo pedir uma refeição através de um aplicativo, porque além do imenso tempo de deslocamento casa e trabalho, não há restaurantes próximos e é perigoso sair durante a noite.
Em vez de andar, talvez seja mais rápido pedalar, mas não rola: não há infraestrutura cicloviária nas cidades que realmente proteja ciclistas. É acidente o tempo todo.
E quando há o desejo de aproveitar a vida noturna, é bem comum usar um aplicativo de transporte privado individual. Quem iria a um rolê tão tarde andando ou de ônibus, quando a frota diminui e o tempo de espera e de viagem são maiores?
Para mim, circular pela noite é impossível. Em 2017, os institutos Locomotiva e Patrícia Galvão descobriram que 68% das brasileiras têm bastante medo de andar sozinhas e à noite onde moram. Se durante o dia já nos é perigoso andar sem calçadas e sem segurança num mundo sem igualdade de gênero, imagine sob a luz do luar?
Até mesmo o lazer muitas vezes é distante, especialmente para quem vive na periferia. Parques, espaços culturais e atividades culturais estão distantes — e aviso que não é por acaso.
Em um país em que a manutenção de calçadas não é responsabilidade do poder público, mas a pavimentação de ruas é, há algo fora da ordem. É normal estacionar seu carro em qualquer lugar, ver a desigual distribuição de serviços nos territórios e o crescimento desordenado de cidades.
É difícil falar de caminhabilidade, porque envolve muita coisa. Para alguns, parece até mesmo utopia, papo de europeu, elitista, distante. Mas só parece mesmo, porque essa falta de olhar para o planejamento urbano prejudica todo mundo, todo santo dia.
O brasileiro não desfruta de suas cidades como poderíamos: com potencial desperdiçado, sem caminhabilidade, não temos educação, saúde e segurança de qualidade. Uma coisa está conectada a outra.
Se não fosse assim, por que tantas pessoas preferem pagar mais caro em aluguéis em bairros em que suas necessidades estão mais perto de casa?
Quanto melhor for a caminhabilidade de um lugar, melhor o espaço é para que a vida urbana seja convidativa e segura para quem circula pelas ruas não apenas a pé, mas ao usar bicicleta, transporte público e até mesmo carro. Se a caminhabilidade for levada a sério, teremos um grande passo para a humanidade.
*Vitória Rodrigues de Oliveira é uma ativista de 19 anos de São João de Meriti, Rio de Janeiro. É técnica em Gerência em Saúde pela EPSJV/Fiocruz e trabalha na Escola de Ativismo. Comunica sobre direito à cidade via TikTok e fundou projetos como a Ini.se.ativa e a A(tua) Meriti. Foi uma das finalistas do 2º Prêmio ECOA, na Categoria Jovens Causadores.
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