Afroamazônida: você sabe o que isso quer dizer?
Em todos os lugares por onde piso, pessoas me conhecem como Afroamazônida. Esse nome que carrego em meu peito foi a forma que encontrei de melhor me definir no mundo, mas nem sempre ele é entendido.
O termo afroamazônida é uma categoria de afirmação política e social, criada e defendida a partir da necessidade de parte da população negra que se territorializa no norte do Brasil de se colocar com narrativas, modos de vida e atravessamentos específicos. O processo colonial, entre muitas formas de invisibilização do corpo negro, nos coloca em um único pacote, construindo a ideia de negritude que temos hoje, negligenciando diversas trajetórias e fazendo com que a nossa população não se reconheça.
O território que hoje conhecemos como Amazônia Brasileira teve sua formação e construção de forma distinta do resto do país, com uma separação política que perdurou até aproximadamente o período do Brasil Império. São de dois a três séculos de separação. Isso fez com que existissem duas histórias diferentes, nos afastando hoje do nosso passado e gradualmente nos apagando.
É por isso, então, que nós, pessoas amazônidas, pouco sabemos da trajetória histórica de nosso território, conhecendo somente a história de quem não nos diz respeito.
De acordo com a pesquisa "Fala Juventudes Paraenses" realizada pela COJOVEM (Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável), 51% dos 388 jovens entrevistados pelo estado do Pará não se reconhecem ou não sabem se são amazônidas. Isso se dá principalmente por duas questões:
A primeira delas traz um distanciamento linguístico. O termo amazônida é majoritariamente utilizado em ambientes acadêmicos, sendo uma forma impopular de identificação das pessoas que nascem no território amazônico. Por isso a importância de nos apropriarmos do que falam sobre nós, entendendo dentro do conjunto de crenças de cada pessoa se faz sentido ou não ser chamado e identificado como tal.
A segunda questão é a criação da ideia de uma única Amazônia. É criado a partir de pensamentos ideologicamente coloniais um imaginário onde somente uma Amazônia é possível, a da grande floresta com animais e coisas relacionadas a isso. Essa não deixa de ser uma Amazônia real, mas não é a única. Existem amazônias urbanos, por exemplo, realidade da maioria da população, não sendo mais ou menos importante, apenas diferentes.
As nossas juventudes estão por aí, salvaguardando o carimbó e o tecnomelody no Pará, com o forró de galeroso e as toadas de boi no Amazonas, os ribeirinhos criando cadeias de pesca sustentáveis, os quilombolas e indígenas formalizando conhecimentos ancestrais, e tem eu, aqui escrevendo para vocês.
Precisamos, então, que sejam criadas e fortalecidas políticas públicas que pensem nessas várias Amazônias, nesses vários territórios, nessas várias juventudes. Não se pode mais deixar que esses olhares que se voltam para nós com conferências internacionais e acordos políticos sejam olhares de violência, roubo e deslegitimação do que nós produzimos, e dos lugares que nós deveríamos estar ocupando. Estamos aqui, experienciando os nossos territórios do nosso jeito, basta vocês saberem quais Amazônias querem conhecer.
*Beatriz Lacerda é uma ativista de 20 anos de Belém, no Pará. É educadora popular, poeta e ativista socioambiental. Trabalha com pautas ligadas à territorialidade, tradição de matriz africana e juventude pela Rede Afroambiental. Uma das finalistas do 2º Prêmio Ecoa, na Categoria Jovens Causadores.
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