Opinião

Licença para poluir: Crédito de Logística Reversa vira atalho com armadilha

Quando falamos sobre reciclagem de embalagens e sua regulamentação no Brasil, nos deparamos com problemas ambientais e sociais tão enraizados na nossa sociedade que a bússola que deveria nortear as ações públicas e privadas entra em colapso.

Recentemente foi inventado o chamado "Crédito de Logística Reversa", uma forma de tentar facilitar a vida de empresas que colocam embalagens no mercado e querem resolver o problema de forma fácil e barata - o famoso "atalho". Essa cortina de fumaça se torna uma verdadeira "licença para poluir" e, assim, liberar a colocação indiscriminada de embalagens de uso único no mercado enquanto os indicadores de reciclagem do país, que já são vergonhosos, ficam estacionados.

A Logística Reversa se tornou lei no Brasil em 2010, a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A regulamentação é objetiva em dizer que aqueles que colocam embalagens no mercado (fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores) são os responsáveis por implementar e retorno delas ao ciclo produtivo. Lembrando que só podem ser contabilizadas aquelas embalagens que foram usadas, chamadas "pós-consumo", assim como apenas as que foram recuperadas de maneira independente do poder público.

Os dados sobre a reciclagem brasileira são pouco conhecidos e confusos, até hoje. Apesar da imprecisão, estima-se que a maior parte do volume que é reciclado seja de materiais pós-industriais. Há mais de uma década as empresas perceberam que aquilo que não conseguiram transformar e colocar no mercado (rejeito de produção) ainda tem um grande valor para alguma outra cadeia produtiva, pois são materiais relativamente puros e segregados, que passam a ser vendidos como subprodutos e reciclados.

Infelizmente, a maior quantidade de material verdadeiramente pós-consumo está indo para aterros e lixões - sendo assim, o país acaba reciclando apenas cerca de 5,5% do seu potencial, segundo o SNIS 2023. Para somar a essa problemática, temos em torno de 1.900 cooperativas em 1.200 municípios no país, portanto mais de 80% dos 5.700 municípios brasileiros nem têm cooperativas para ajudar a recuperar estas embalagens.

Diante desse cenário caótico de baixa reciclagem, fruto do descaso e da falta de fiscalização, surge a necessidade de dar algum tipo de resposta à sociedade: créditos, selos e certificados. Uma forma mágica de resolver todos os problemas da reciclagem no país - incrível, não? Hoje, você consegue entrar em um site e, em dois cliques, solucionar o problema de milhões e milhões de embalagens que estão no mercado, adquirindo notas fiscais de intermediários. Isso significa que muitas vezes os créditos se multiplicam 2, 3, 4 vezes na cadeia antes de chegarem na reciclagem. Um mesmo material é contabilizado várias vezes.

Mas a verdade é que essa "matemágica" de embalagens não existe e, em algum momento, os órgãos que regulam a questão precisam deixar de aceitar essa situação e exigir coerência, adicionalidade e transparência.

Se a empresa resolve seguir pelo caminho fácil, sem gerar adicionalidade, sem implementar e estruturar logística reversa e decide comprar créditos ligados a notas fiscais de terceiros, sem saber a procedência, deve saber que o intermediário, que não tem qualquer ação na cadeia da reciclagem, retém de 50% a 66% do valor do crédito. Ou seja, o recurso do crédito nunca irá conseguir estruturar e melhorar a condição de quem está no primeiro elo da cadeia, como catadores e catadoras.

Neste novo mercado, criado através de balcão de negócios de notas de reciclagem, onde os dados podem ser multiplicados, as origens são obscuras e o valor ainda é controlado para não encarecer os custos das empresas, os créditos funcionam como verdadeira licença para poluir. Ademais, enquanto operações de separação, coleta, entrega voluntária e logística não forem implementadas de verdade, estruturadas fisicamente e operacionalizadas para gerar adicionalidade, vamos continuar aceitando notas fiscais de origem industrial ou de coleta pública. Enquanto a nossa política nacional de reciclagem continua sendo a vergonha do país.

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*Rodrigo Oliveira é bacharel em administração de empresas pela FGV-EAESP. Coordenador do comitê de logística reversa da ABES e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Logística Reversa, ele tem MBA Executivo Financeiro pelo INSPER-SP e mestrado em Sustentabilidade pela FGV- EASP. Já atuou nas áreas de marketing e gestão comercial em empresas como Natura, Unilever e Suzano. Hoje é CEO da startup de logística reversa inteligente Green Mining. Foi finalista do 2º Prêmio Ecoa na Categoria Negócios que Impactam.

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