Opinião

Mercado de trabalho ainda é desigual para as mulheres

A agenda referente às questões sociais, ambientais e de governança é repleta de desafios e responsabilidades que têm relação direta com diferentes públicos, entre eles governos, empresas e sociedade civil. No caso do Brasil, esse tema é ainda mais relevante. Nosso país, repleto de riquezas naturais e de dimensões continentais, é também símbolo de um antagonismo estrutural se levarmos em conta as desigualdades enfrentadas pela população, em especial pelas mulheres.

Neste mês de março, é importante fazer uma reflexão sobre o papel da mulher em um dos ambientes que mais evidenciam o tratamento diferenciado dado ao público feminino, em múltiplos aspectos: o mercado de trabalho. Esse segmento, que todos esperávamos que se tornasse mais igual, ou menos desigual, a partir das inúmeras promessas feitas e compromissos assumidos nos últimos anos por empresas de todos os portes, mostra que ainda há um longo caminho a ser trilhado. Mais do que isso: evidencia que promessas sem ações são apenas boas ideias, sem resultados efetivos. Como consequência, presenciamos desigualdades salariais e sem justificativas, baixa presença de mulheres em cargos de liderança e maior presença em posições de entradas nas empresas.

De acordo com dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), publicados em 2023, as mulheres representam 51,5% da população brasileira, mas somente 38,9% da força de trabalho. Além disso, a média salarial dos homens é 14,9% maior que das mulheres. No ensino superior, a diferença sobe para 43,2%. Além disso, o nível de ocupação dos homens é de 63,3%, enquanto o das mulheres é 46,3%.

Ainda de acordo com o IBGE, as mulheres negras são as mais afetadas pela desigualdade no mercado de trabalho, representando apenas 17,8% da força de trabalho, apesar de responderem por 29,4% da população brasileira.

Entre muitos dos desafios existentes para mudar esse cenário, há um em especial que é pouco falado, mas extremamente relevante: a disposição de dados sobre diversidade e equidade nas empresas. Apesar de as companhias divulgarem diversas iniciativas para promover a igualdade, a existência e o acompanhamento desses indicadores ainda é um desafio encontrado em grande parte do setor empresarial. E não há segredo nem fórmula mágica: sem métricas não é possível saber onde estamos, muito menos onde iremos chegar.

Um exemplo a respeito da falta de dados sobre diversidade e equidade nas empresas brasileiras é a repercussão, até hoje, do levantamento "Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas", realizado pelo Instituto Ethos. O estudo retrata o perfil do quadro dos funcionários das maiores empresas do Brasil, mostrando desigualdades em sua composição social, racial e de gênero, além das principais políticas empreendidas por estas empresas para a inclusão de diversos públicos vulneráveis.

A última edição do estudo foi divulgada em 2016, há 8 anos, e até hoje é constantemente utilizada como fonte de informações para diferentes comparativos sobre esse tema. Durante esse período muita coisa mudou, tivemos inclusive uma pandemia que afetou diretamente o mercado de trabalho, mas o estudo em questão, em especial pela falta de outros levantamentos similares, permanece sendo utilizado até hoje. Assim como os cenários mudam, os indicadores também mudam, e por isso ter dados atualizados é um fator essencial para que possamos caminhar em direção a um futuro mais diverso e igualitário no ambiente de trabalho.

Neste ano, o Instituto Ethos fará uma nova versão do estudo, desta vez com as mil maiores empresas e os cem maiores bancos do país. O levantamento de dados está em andamento, e aí nos deparamos com outro desafio: o apoio das próprias empresas em responder os questionários e compartilhar suas informações. Mesmo com toda a confidencialidade das informações garantida, ainda é clara a falta de transparência ou mesmo a ausência de organização por parte de muitas empresas quando o tema é a diversidade e equidade dos funcionários.

A expectativa é sempre otimista, com a esperança de presenciarmos a diminuição da desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Porém, se levarmos em conta os dados públicos que demonstram o comportamento das empresas durante e após a pandemia, o cenário é desafiador.

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De acordo com uma pesquisa da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (Gefam), com base em dados da Pnad Contínua, a pandemia impactou muito mais as mulheres do que os homens no mercado de trabalho. A cargo de exemplo, mostra o estudo, o número de mulheres adultas fora da força de trabalho no fim de 2022 foi o dobro do de homens, cuja participação já voltou ao patamar pré-pandemia. Esse dado reforça o fato de que as mulheres não só foram as mais atingidas pelo desemprego, mas também têm maior dificuldade de voltar a trabalhar.

Os desafios, evidentemente, são muitos, mas há soluções para mudarmos esse cenário. Além da necessidade de criar métricas, é preciso acompanhar regularmente o desenvolvimento desses indicadores. Mais do que isso: é preciso definir estratégias para que as empresas tenham mais equidade e diversidade em seu quadro de funcionários, com um cenário detalhado e uma lista de ações efetivas. A definição de políticas de contratação e vagas afirmativas são ótimas iniciativas, mas isoladamente não trazem resultados efetivos. Além disso, a política de igualdade não é de responsabilidade de uma única área, mas sim da empresa como um todo, a começar pelas lideranças.

Outro ponto essencial é a definição e manutenção de investimentos para as iniciativas referentes às políticas de diversidade e igualdade. Além de definir o montante que será investido para que essas ações possam ter êxito, é preciso mantê-lo. Muitas vezes, a verba destinada às iniciativas de diversidade e igualdade são as primeiras a serem cortadas quando há necessidade de retenção de investimentos.

É inegável que houve avanços nos últimos anos com relação à igualdade e equidade nas empresas, mas o que presenciamos até aqui ainda é muito pouco. Não podemos nos contentar somente com o básico, tampouco dar espaço para retrocessos, como vimos durante e após a pandemia. As empresas são importantes motores do desenvolvimento social, e a promoção da diversidade e dos direitos iguais no ambiente corporativo é o principal caminho para mudar esse cenário.

* Ana Lucia Melo é diretora-adjunta do Instituto Ethos, onde lidera as atividades de pesquisa, desenvolvimento de ferramentas e metodologias, consultoria e capacitação nas áreas de gestão responsável para a sustentabilidade, cadeias de valor sustentáveis, direitos humanos e diversidade.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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