É também o que nos fala a ciência: o aumento médio da temperatura do planeta em valores acima dos níveis pré-industriais (1850-1900) tem sido destaque nestes últimos anos. Principalmente pela ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos, como o que aconteceu há alguns dias no Rio Grande do Sul.
Apesar da intensidade e frequência maiores destes eventos extremos, acarretando muitas perdas materiais e sofrimento humano, expressões como aquecimento global, mudança do clima global e desastres naturais ainda parecem distantes da maioria das pessoas. Isso porque grande parte dos relatórios sobre o tema, como os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), estão cheios de fórmulas, gráficos e tabelas de difícil compreensão para a população leiga nesses temas.
Contudo, quando a mudança climática afeta o cotidiano das pessoas, as preocupações aparecem, ainda que elas nem sempre percebam a relação entre esses problemas do dia a dia e o aquecimento global. É o que acontece, por exemplo, com o aumento dos preços dos alimentos.
Do aumento da temperatura ao aumento do preço da comida
Segundo a OMM (Organização Meteorológica Mundial), agência especializada das Nações Unidas (ONU) para o tema, duas agências norte-americanas - a Agência Espacial Nasa e a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) - confirmaram que 2023 foi o ano mais quente registrado no planeta desde que começaram a medições de temperaturas. A OMM destaca que a temperatura média global próxima à superfície em 2023 foi 1,45 °C acima da média de 1850-1900 (com uma margem de erro de 0,12 °C para mais ou para menos).
Segundo a Copernicus, a agência europeia do clima, a temperatura média superficial global, terrestre e marítima combinadas, dos 12 meses entre março de 2023 e fevereiro de 2024, foi 1,56 °C mais quente do que a média do período pré-industrial (1850 - 1900).
Quando a temperatura da superfície terrestre aumenta, os oceanos também esquentam. Devido a sua extensão e sua capacidade de reter calor, os corpos de água contribuem expressivamente para o aquecimento global. O aumento da temperatura dos oceanos afeta a vida marinha, torna os mares mais ácidos e, principalmente, gera mais vapor de água, que é incorporado na atmosfera. Uma atmosfera que contém mais vapor de água, associada a outros fenômenos naturais como o 'El Niño', pode gerar chuvas volumosas. E isso afeta vastos territórios, como foi o evento recente no sul do país.
E por que estamos registrando esses aumentos de temperatura? Hoje se verifica um desequilíbrio energético entre a energia solar que entra na terra e a energia que é retida pelos de Gases de Efeito Estufa (GEE). Alguns desses GEE que contribuem para o aumento da temperatura do planeta são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), decorrentes de processos agroindustriais, como queima de combustíveis fósseis e o desmatamento.
Um dos primeiros setores a sofrer com temperaturas mais altas e florestas desmatadas é a agricultura. E aqui é necessário entender as três premissas da relação entre alimentação e florestas:
- precisamos de agricultura para nos alimentar;
- agricultura é muito dependente de fatores não humanos, isto é, de chuvas sazonais em quantidades regulares e de um sistema climático minimamente estabilizado;
- chuvas regulares e clima favorável dependem, por sua vez, da conservação das florestas e das demais coberturas vegetais nativas.
A sociedade precisa entender que as florestas e demais ecossistemas naturais conservam e reciclam a umidade proveniente dos oceanos, estabilizam as chuvas, refrigeram o clima, preservam a fertilidade dos solos e mantêm a biodiversidade. Sem florestas, não temos dispersores de sementes, polinizadores, fungos e microorganismos necessários à reprodução das plantas. E isso afeta a quantidade, a qualidade e, consequentemente, o preço dos alimentos que consumimos no dia a dia.
Recuperação das florestas para continuarmos alimentando as populações do planeta
A crise climática é real. Entre os especialistas da área, que pesquisam e informam a sociedade sobre as condições do tempo e do clima, existe hoje um consenso sobre a gravidade do problema. E a ciência pode apontar caminhos para solucioná-lo.
Mas, quando se trata de definir o que fazer a respeito da crise climática, a questão passa a ser política. Como sociedade organizada, podemos buscar alternativas e soluções, ou podemos decidir não fazer nada, apenas "tapar o sol com a peneira" e adiar para o futuro a responsabilidade de resolver o problema do presente.
O governador gaúcho Eduardo Leite menciona que seria necessário uma espécie de 'Plano Marshall' para a reconstrução do estado. Nessa lógica, além de reconstruir as infraestruturas sociais e produtivas, é urgente a recuperação das florestas. Isso inclui a recomposição da mata ciliar com vegetação nativa para a retenção da água, além de uma agricultura de baixa emissão de carbono, proposta técnica na qual a Embrapa já possui experiência.
O sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são alternativas produtivas que associam a produção com a conservação dos recursos naturais e podem ajudar a mitigar os impactos da crise climática.
A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) é uma forma de produção na qual se integram diferentes elementos produtivos, neste caso cultivos agrícolas, criação animal e árvores dentro de uma mesma área. Os agricultores realizam um cultivo consorciando as espécies de interesse, seja em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo, tanto em termos econômicos como ambientais.
Nos Sistemas agroflorestais (ou agroflorestas), o agricultor combina, em uma mesma área e em um determinado tempo, o cultivo de espécies agrícolas de interesse (para vender ou consumo da família) associadas a plantas perenes, como árvores ou arbustos, que podem fornecer alimentos, adubos ou madeiras no longo prazo. O objetivo da agrofloresta é simular a estrutura e funcionamento de uma floresta com intervenção humana.
É comum escutarmos comentários do tipo "medidas socioambientais geram custos e podem afetar o preço dos alimentos". Contudo, essa lógica da agricultura predatória, de luta contra a natureza, não apenas é mais caro hoje, como também é insustentável no médio e longo prazo.
Se a agricultura vira um 'negócio', com o objetivo apenas de ganhar dinheiro, ela deixa de lado os efeitos negativos no meio ambiente ou na saúde das pessoas. Quando os alimentos são transformados em mercadorias (commodities), os preços são afetados pela flutuação dos mercados internacionais. Sob essa lógica, de um dia para o outro pode ser mais vantajoso para um agricultor brasileiro exportar sua produção do que mantê-la no Brasil.
Por isso, precisamos de que haja uma verdadeira Soberania Alimentar para garantir alimentos em quantidade, qualidade e de forma constante para a população, já que os brasileiros precisam comer e não podem depender das flutuações dos preços internacionais.
Enfim, para continuarmos realizando uma agricultura que possa alimentar a população no século 21, precisaremos de economias diversificadas capazes de suportar qualquer tipo de embate, isto é, precisamos nos tornar mais resilientes. É importante que existam diferentes sistemas de produção e distribuição de alimentos, que a produção esteja perto dos consumidores e que seja baseada na biodiversidade, tanto de espécies comestíveis como de hábitos alimentares decorrentes da cultura.
Assim, quando uma forma de produção de alimentos fracassar - quando o petróleo acabar, quando os pesticidas não funcionarem mais, quando secas e pragas atacarem ou os solos se esgotarem - ainda tenhamos como nos alimentar.
Oscar Agustín Torres Figueredo, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original
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