Opinião

Emergência todo dia: quem escolhe quem pode viver o amanhã?

Há quase dois meses, testemunhamos um estado brasileiro ser inundado. Diante da força das enchentes e da água que não parava de subir, nos mobilizamos rapidamente. Resultado da perda que causa catarse e gera solidariedade. Talvez a pandemia tenha nos dado mais agilidade para atuar em momentos inimagináveis, embora eles sejam cada vez mais recorrentes. Mas a solidariedade não segue a mesma lógica ou frequência.

Em 2019, "emergência climática" foi considerado o termo do ano pelo dicionário de Oxford com a definição: "Uma situação em que ação urgente é necessária para reduzir ou cessar a mudança do clima e prevenir danos ambientais potencialmente irreversíveis a ela associados".

Não sei se queremos acreditar que há tempo para levar um pouco mais a situação por esperança ou negacionismo, mas a verdade é que não temos políticas, diretrizes e atitudes o suficiente para reduzir ou prevenir a mudança e, assim, evitar os eventos climáticos extremos. Ou, talvez, gostemos como sociedade de bater recordes: 2023 foi o ano mais quente em 174 anos no mundo; as chuvas estão acima da média, mês após mês, enquanto os alertas técnicos e baseados em ciência não são considerados como iminentes porque há outras agendas de suposto interesse público.

E assim, um estado brasileiro ficou por semanas debaixo d'água. Casas foram destruídas, vidas foram perdidas, histórias levadas pela água que subiu. Os danos causados em 96% das cidades do Rio Grande do Sul seguem sendo contabilizados, enquanto o medo e a possibilidade de a água subir de novo permanecem latentes. Ao mesmo tempo, uma pergunta complexa segue por aqui: O que acontece nos dias, semanas e meses seguintes às tragédias?

É impossível olhar para os dados dos boletins dos órgãos técnicos e não entender que cada número reflete a vida de uma pessoa, que impacta a vida de uma família, de uma cidade inteira, de um estado e, necessariamente, do país. São pessoas, histórias, afetos, lares e lugares. É visceral, emocional, material. É assunto vital e, por isso, deveria se manter como emergencial.

Mas, não é isso o que acontece. Aquela mobilização ágil vai se diluindo com o tempo, com a diminuição de espaço nas mídias, com o deixar de falar no assunto e de agir para a sua resolução possível. A queda de interesse e de doações para as vítimas da catástrofe do Rio Grande do Sul podem ser percebidas no dia-a-dia e também nas pesquisas de tendências e de buscas pela internet.

Enquanto isso, as organizações da sociedade civil - organizações não governamentais, institutos, movimentos e iniciativas que trabalham pelo interesse público -, seguem atuantes e precisando de doação de recursos - pessoas, conhecimento e dinheiro -, para continuarem incansavelmente na linha de frente. Porque sabe que emergências acontecem todos os dias. E o dia a dia depende de recursos.

O nosso papel como sociedade é estar próximo e fortalecer quem atua para buscar meios de solucionar o que é possível e necessário. Doar de forma recorrente é cumprir este papel cidadão, fortalecendo as estruturas e movimentos de quem atua pelos nossos direitos.

Costumo dizer que a nossa principal barreira é a atitudinal. Ou seja, comportamento. Então, te convido a pensar no que você tem feito para não perpetuar as desigualdades e transformar, direta ou indiretamente, a vida de alguém que está em vulnerabilidade agora. A sua doação subsidia este trabalho invisível e viabiliza a vida, o dia a dia de milhões de pessoas em todo o nosso país. Faça a sua parte e doe.

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* Marina Franciulli é mãe do Gael e do Ian, comunicadora especialista em Direitos Humanos. Atua há quase 20 anos no terceiro setor e em projetos de impacto. Atualmente está na gestão de projetos do Instituto MOL: organização que usa a força da comunicação para inspirar a generosidade, conscientizar e mobilizar uma sociedade mais doadora.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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