Por que é importante a agricultura familiar estar na pauta no G20
Soube recentemente que, pela primeira vez, o tema da agricultura familiar será pautado no principal fórum de cooperação econômica mundial (G20), que acontece no Rio de Janeiro, em novembro. Desde 1999, o grupo reúne chefes de estado e de governo de 19 países, da União Africana e da União Europeia para definir e reforçar grandes questões econômicas internacionais. Na história mais recente do fórum, assuntos como comércio, desenvolvimento sustentável e agricultura foram incluídos.
Entre as pautas que serão abordadas dentro do tema da agricultura familiar, está o reconhecimento do seu papel essencial para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis e inclusivos.
É inclusivo porque oferece acesso a oportunidades para diversos membros da família, incluindo mulheres e jovens. Além disso, ao focar em mercados locais e regionais, ajuda a fortalecer a economia de uma determinada região.
É sustentável, já que esse sistema de produção utiliza técnicas de manejo e conservação dos recursos, e por isso é resiliente frente a extremos climáticos, como secas e enchentes.
É saudável e nutritivo porque, em geral, utiliza métodos orgânicos e tradicionais de cultivo, que não dependem de pesticidas e fertilizantes químicos.
Contrariando a própria definição da palavra economia, que em sua etimologia quer dizer "cuidar da casa comum", o agronegócio é uma das grandes causas das catástrofes socioambientais que crescem de forma exponencial em todo o planeta. Ele também aprofunda as desigualdades sociais.
Muitas vezes, o agro desmata grandes áreas de floresta para abrir espaço para monoculturas, como soja e palma, por exemplo. Isso tem colaborado para uma extinção progressiva de espécies e perda da biodiversidade. Além do mais, a remoção de árvores afeta o ciclo da água, causando alterações no regime de chuvas e aumentando o risco de secas e enchentes.
Economia solidária no Brasil
Segundo definição do NuMI EcoSol (Núcleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), economia solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza centrada na valorização do ser humano e não do capital. São valores fundamentais da economia solidária: autogestão, cooperação, promoção do desenvolvimento humano, preocupação com a natureza e com a comunidade, produção e consumo éticos, solidariedade.
Desde o surgimento de negócios de economia solidária, no século 21, em resposta aos problemas econômicos e sociais gerados pela Revolução Industrial e capitalismo emergente, muitas transformações aconteceram. De acordo com dados levantados pelo CNES (Conselho Nacional de Economia Solidária), 4.000 negócios estavam em operação no Brasil nos anos 2000. Em 2024, a estimativa é que este número esteja em 25 mil empreendimentos de economia solidária ativos, que incluem cooperativas, associações e empreendimentos de base comunitária. Um aumento de 525% em pouco mais de duas décadas.
Desafios da agricultura familiar e caminhos possíveis
Dias atrás, dialogava com C., uma empreendedora baiana que produz e comercializa brotos de alfafa em parceria com seu marido. O objetivo da conversa era justamente escutar ativamente a história do seu negócio e apoiá-la na geração de ideias e na criação de um plano para algumas ações que identificamos como prioritárias.
C. tem uma produção pequena e caseira e seu objetivo está longe de ser produzir em escala a fim de lucros altos, mas o suficiente para a sua própria sustentabilidade e das cooperativas que compram o seu produto. O empreendimento de C. enfrenta uma série de obstáculos. Um deles é ampliar sua produção, já que hoje toda a operação fica a cargo dela e do marido, pois não tem recursos financeiros para investir em mão-de-obra.
Em empreendimentos de agronegócio, grandes investidores lucram rios de dinheiro a baixos salários dos seus trabalhadores, que não refletem a carga de trabalho exigida. Dito isso, trago dois exemplos práticos de como grandes empresas podem apoiar negócios de economia solidária. Uma delas é estabelecer ou participar de programas de microcrédito para apoiar novos empreendedores. Outro caminho seria investir em projetos solidários, oferecendo capital de risco ou investimento social para apoiar o crescimento de iniciativas como essas.
Esperamos que as lideranças globais que irão compor o G20 tomem decisões importantes e sensatas que, de fato, priorizem justiça social, bem como, desenvolvimento econômico e sustentável para nossa casa comum. Entretanto, para além das ações governamentais, faço um convite para refletirmos sobre o que pode ser feito, em outras instâncias, e por nós - representantes de organizações da sociedade civil, empresas, instituições - a fim de fomentar, colaborar e fortalecer iniciativas de agricultura familiar.
* Beatriz Cardoso é psicóloga. Pós-graduada em Pedagogia da Cooperação e Metodologia colaborativas em 2017, é facilitadora de processos dialógicos e formativos para escolas, ONGS e empresas desde 2015.
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