Opinião

O que ainda precisa ser feito para proteger os povos da Amazônia

A morte persegue moradores da reserva Yanomami, o maior território indígena do mundo. A área abrange aproximadamente 8 milhões de hectares no norte do Brasil – uma área semelhante ao tamanho da Suíça. No início de 2023, a Polícia Federal ocupou a região como parte de uma operação para combater a mineração ilegal de ouro. Há décadas, garimpeiros têm saqueado as terras Yanomami em busca de ouro e estanho.

Descrevendo a situação como um “genocídio” no início de 2023, o presidente Lula prometeu expulsar cerca de 40 mil mineradores após visitar a região. No meio do ano passado, a Polícia Federal afirmou que 75% dos mineradores haviam sido removidos. Até o mês passado, as autoridades relataram que mais de 1,000 “operações” envolvendo mais de 30 entidades federais foram realizadas apenas no estado de Roraima. No entanto, apesar dessas expulsões, muitos mineradores e grupos criminosos retornaram, e a violência e as doenças continuam persistentes.

Os esforços do governo para proteger os povos indígenas precisam ser permanentes e crescentes, sob o risco de estagnarem-se, perderem eficiência, e permitirem a volta do cenário pavoroso que lá se encontrava no início de 2023. Na época, as expectativas de melhoria do cenário cresceram muito com a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a reestruturação da FUNAI e a nomeação de líderes indígenas para cargos-chave.

Pouco depois de assumir o cargo, o presidente pediu a aceleração da demarcação de terras, o fim das invasões de territórios indígenas e a ampliação do acesso à assistência social, incluindo à saúde e à educação. Apesar do aumento nos gastos, rapidamente ficou evidente que o governo federal carecia de um plano abrangente para cumprir esses objetivos. A resistência do poderoso setor agropecuário brasileiro e os estragos deixados pelo antecessor de Lula, o ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, complicaram ainda mais a situação.

As comunidades indígenas do Brasil enfrentam ameaças de violência extrema há séculos. Em 2024, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) relatou 208 assassinatos violentos no ano anterior, superando o recorde anterior de 182 assassinatos, estabelecido em 2020. Entre 1998 e 2022, o Ministério da Saúde registrou que quase 4.000 indígenas foram assassinados em todo o Brasil. Aproximadamente 55% destas mortes violentas ocorreram na Amazônia Legal. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os indígenas são o segmento mais vitimado da população brasileira quando se trata de conflitos de terra, disputas por recursos hídricos e atos de resistência.

Líderes indígenas, defensores e ativistas são rotineiramente alvos de uma constelação de proprietários de terras, madeireiros, agricultores, pecuaristas, garimpeiros, milícias e grupos criminosos. Em 2023, por exemplo, a CPT registrou pelo menos 276 casos de invasões de terras e centenas de ameaças, ataques violentos e crimes ambientais em mais de 200 territórios indígenas, desde o Amazonas e Mato Grosso do Sul, na Amazônia, até a Bahia e Paraná.

Incidentes particularmente graves ocorreram no território indígena Araribóia, no Maranhão, onde 81 pessoas foram assassinadas entre 1991 e 2023 enquanto defendiam seu território contra a exploração madeireira ilegal. Os Yanomami em Roraima e em outros estados também sofrem com a presença combinada de garimpeiros e grupos criminosos organizados, como o Primeiro Comando da Capital (PCC). A lenta demarcação de terras e a presença estatal desigual, e em alguns casos predatória, nessas regiões aumentam ainda mais sua vulnerabilidade.

Isso não significa que as autoridades nacionais tenham negligenciado o problema. Pelo contrário, as autoridades brasileiras intensificaram as operações de segurança militarizadas em territórios indígenas. Por exemplo, a polícia federal e estadual, as forças armadas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a FUNAI lançaram uma intervenção em larga escala para desmantelar a infraestrutura ilegal no Território Indígena Yanomami em abril de 2024.

Da mesma forma, a Operação Sonho Distante 3 em São Félix do Xingu, Pará, teve como alvo grupos criminosos no Território Indígena Kayapó em junho de 2024. Outra intervenção nos Territórios Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, também no Pará, visou remover ocupações ilegais de terras que haviam se expandido desde 2023. E em março de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou regulamentos que concedem poderes policiais à Funai, a fim de aumentar suas capacidades de atuação em campo.

Ainda assim, cresce a frustração com a incapacidade do governo federal de proteger adequadamente os povos indígenas. Uma preocupação particular é o progresso lento do governo Lula na demarcação de terras indígenas, especialmente nos 37 territórios em áreas de alto risco. Outro ponto de tensão é a incapacidade do presidente de vetar o PL 2903 – uma proposta legislativa que busca restringir os direitos indígenas – que é fortemente apoiada pelos setores do agronegócio e da pecuária.

Mesmo após o STF declarar o projeto inconstitucional – especialmente as medidas que restringem a capacidade dos povos indígenas de reconhecer formalmente seus territórios ancestrais – o Congresso ainda não rejeitou a legislação. E, apesar de declarar uma emergência nacional de saúde e lançar a operação de R$ 1,2 bilhão no território Yanomami este ano, as autoridades têm enfrentado dificuldades para mostrar melhorias mensuráveis na redução da violência ou no aprimoramento da saúde e bem-estar de muitas populações indígenas, muitas das quais sofrem de envenenamento por mercúrio.

As autoridades federais e estaduais podem adotar várias medidas para reverter a situação. No nível mais básico, o presidente precisa lançar uma estratégia nacional abrangente para proteger os povos indígenas e fortalecer instituições relevantes, como o MPI e a FUNAI.

Embora as medidas para fortalecer o Estado de Direito sejam necessárias, os direitos indígenas também devem ser priorizados, preservados e ampliados, especialmente em relação à segurança territorial, segurança alimentar, geração de renda, saúde e saneamento. Outra prioridade é acelerar a demarcação de terras, juntamente com esforços para expandir a detecção, interrupção e redução de crimes ambientais, focando em policiais corruptos, milícias e grupos do crime organizado. Por fim, o governo precisa alinhar as estratégias de clima, natureza e desenvolvimento com a proteção dos direitos indígenas, inclusive no que diz respeito à exploração e extração de petróleo e minerais, que são temas controversos.

*Katherine Aguirre, pesquisadora do Instituto Igarapé, colaborou com o artigo.The Conversation

*Robert Muggah, é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Este artigo foi republicado do The Conversation sob um licença Creative Commons. Leia o original.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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