Opinião

Opinião: proteção da natureza é um dever espiritual e moral

"Eu moro na Amazônia, num clima agora à noite de 35ºC, insuportável, muita doença, muita febre", disse a conhecida e respeitada líder de uma comunidade religiosa de matriz africana num dos encontros promovidos pela Aliança Sagrada pelo Clima, movimento inter-religioso que visa discutir o compromisso do Brasil com as metas climáticas de 2030, estabelecidas no Acordo de Paris, engajando comunidades religiosas na luta pelo desmatamento zero e pela eliminação gradual do uso de petróleo.

Outra senhora, de uma igreja cristã, perguntou: "Como podemos batizar uma criança com água poluída e cheia de veneno?". E uma terceira jovem liderança amazônida resumiu: "Eu não estou no território, eu sou o território".

Essas mulheres, religiosas e amazônicas, nos convidam a pensar nos gravíssimos efeitos que a devastação da natureza tem em nossas vidas. E mostram a urgência de entendermos o que a ciência vem nos dizendo: ou mudamos nosso modelo de vida, de sociedade e de economia, ou a crise climática nos destruirá.

A consciência da crise já chegou para a maioria da população. E ela tem evoluído com rapidez no interior nas nossas comunidades de fé. Não poderia ser diferente: A natureza, em suas múltiplas formas, é um elemento central em nossas práticas espirituais e na expressão de fé de nossas comunidades. Através da criação divina encontramos o sagrado nas florestas, nos rios, nos diversos elementos da natureza, nos animais, nas pessoas. Ao testemunharmos a destruição de ecossistemas essenciais, sentimos que não apenas a natureza está sendo violada, mas também os princípios espirituais que guiam nossas vidas. A proteção da natureza não é apenas uma questão ambiental, mas um dever espiritual e moral.

Aqueles que veem e reconhecem o ambiente como parte intrínseca da sua espiritualidade percebem que uma civilização baseada no consumo desenfreado e na ganância do lucro imediato destina-se ao abismo. Como líderes religiosos, estamos comprometidos em acolher e cuidar daqueles que sofrem as consequências dessas catástrofes, mas também em prevenir através da proteção do meio ambiente.

Nossas comunidades, no interior do país ou nas periferias das grandes cidades, sofreram com as grandes enchentes, temporais e deslizamentos de terra. Agora sofrem com a seca e a fumaça das queimadas e incêndios. Veem que há fortes indícios de ações criminosas provocando ou agravando esses extremos. E sabem que o modo de mitigar as consequências desses desastres é restaurar os ecossistemas devastados e conservar ao máximo as florestas.

Infelizmente, esse aumento de consciência parece estar sendo silenciado por um noticiário que privilegia as chamadas "questões morais" e outras pautas propícias à exploração política e à manipulação das opiniões. E nem todos os governos e parlamentares incluem o meio ambiente e as mudanças climáticas em seus compromissos e programas de trabalho.

Reconhecemos o grande esforço que tem sido feito pelo governo federal, com alguns resultados significativos, como a redução do desmatamento na Amazônia. Ainda assim, ações mais profundas e abrangentes são necessárias, para acelerar a transição ecológica e ampliar a contribuição do Brasil, especialmente com vistas a melhores resultados na COP30, em Belém.

Um dos setores estratégicos para o desempenho do Brasil e a manutenção de sua credibilidade é o da produção de energia. Muito tem se falado das vantagens do Brasil na transição energética. Mas não reconhecemos essa transição na atual política de expansão da exploração de petróleo.

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Atualmente, há 873 blocos de petróleo e gás em concessão no país, dois terços deles em terra e um terço em áreas marítimas. Essa exploração pode dobrar, com 769 novos blocos atualmente em oferta, geridos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), que promove leilões para empresas interessadas.

Cabe acrescentar: não queremos correr riscos de novos desastres, além dos atuais, nem na terra, nem no mar. No momento de crise que atravessamos, em que nos falta o ar e a água, sufocados pela densa fumaça, não é adequado nem coerente insistir numa expansão apressada e descuidada na exploração de petróleo. Ao contrário, precisamos de uma revisão na política nacional em setor tão estratégico e de mais democracia e transparência nas concessões para exploração de novos poços.

Tóxico e nada transparente é o ambiente político em que se tomam as decisões na exploração do petróleo. As empresas mantêm um ativo e agressivo lobby junto às instituições e órgãos públicos, usam táticas de desinformação quanto aos riscos ambientais e recursos econômicos, pressionam comunidades com assédio e até ameaças.

Não há garantias de diminuição dos grandes impactos sociais e ambientais que estão em curso: a contaminação de recursos hídricos e a degradação de ecossistemas, a abertura de grandes clareiras na floresta e a desestruturação de inúmeras comunidades, incluindo povos indígenas e populações tradicionais que são, como todos sabemos, fundamentais na conservação da floresta.

Não é de agora que as comunidades religiosas estão comprometidas com a justiça climática e socioambiental e, portanto, nos somamos a estas vozes para avançarmos ainda mais no processo de proteção da nossa biodiversidade e dos povos originários e comunidades tradicionais que são seus principais guardiões. Por tudo isso, relembramos aqui demandas que já dirigimos ao governo federal:

Desmatamento Zero: Implementação imediata e eficaz do compromisso de desmatamento zero, com foco na proteção integral da Amazônia, do Cerrado e de todos os biomas brasileiros.

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Investimentos em Energias Renováveis: Redirecionamento dos investimentos atualmente alocados na exploração de combustíveis fósseis para o desenvolvimento de energias limpas e renováveis, que respeitem as premissas de uma transição justa e popular, em alinhamento com os compromissos climáticos internacionais do Brasil.

Adoção de uma NDC compatível com a manutenção da elevação da temperatura média do planeta em torno dos 1,5 graus Celsius e influenciar os demais países durante a COP 30 para que façam o mesmo.

Demarcação de Terras Indígenas, titularização de Territórios Tradicionais, regularização fundiária e reforma agrária justa, com foco na soberania alimentar. Fomento à agroecologia, valorização da produção familiar, camponesa e da pesca artesanal, além da economia indígena, garantindo geração de renda para combater a fome, pobreza e desigualdade social.

Suspensão das operações e processos minerais ativos em terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação de proteção integral.

Chegamos a um momento de decisão: ou levamos a sério nossas responsabilidades nas mudanças climáticas e mudamos a rota do futuro, ou ficaremos no problemático pódio dos maiores emissores de CO2 e outros gases que aumentam a temperatura do planeta. Como encontrar um caminho sustentável? Sabemos por onde começar: ouvindo o grito sagrado da Terra, ouvindo as vozes da consciência das comunidades mais afetadas.

* Por: pastora Andrea Alechandre (Igreja do Evangelho Quadrangular), de Rio Branco, dom Roque Paloschi (Arquidiocese de Porto Velho), Maria da Rocha (Guardiões do Bem Viver), de Lago Grande, Santarém (PA), mãe Jô Santos (Terreiro de São Jorge Tumajamacê), de São Luís, Rayana Burgos (Rede Terreiros pelo Meio Ambiente), de Recife, irmã Maria Irene Lopes (Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM), pastora Romi Bencke (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC), Mametu Nangetu (Terreiro Manso Massumbando Quem Quem Neta) e Denildo Rodrigues de Moraes (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ)

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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