Opinião

Você cita seu filho no currículo? Eu cito e te conto o porquê

Eu cito meu filho no currículo porque ele faz parte da minha identidade como pessoa, profissional e mulher. Dizer que sou Mãe do Tom no LinkedIn é uma forma de defender que o mercado de trabalho deve incluir pessoas cuidadoras (mães, pais ou responsáveis). Uma sociedade precisa reconhecer que as crianças existem e que quem cuida delas também trabalha.

Esse gesto já abriu diálogos sobre a inclusão de cuidadores, expandindo a visão de quem acessa o perfil na minha rede social. Frequentemente me perguntam: "Como profissional de Recursos Humanos, você recomenda citar os filhos no currículo?". Há quem prefira não expor os filhos por razões de segurança ou privacidade. O mais importante para mim é que esse debate seja ampliado.

Quando me apresento como Mãe do Tom em encontros profissionais, algo especial acontece. Costumo dizer que ele é meu maior professor nas disciplinas de relacionamento humano, comunicação empática e criatividade. Esse simples comentário gera sorrisos, empatia e cria o que é fundamental para o diálogo: conexão.

Percebi que essa inclusão de filhos no LinkedIn tem se tornado mais comum, especialmente entre mães. Investiguei a prática e conversei com profissionais de diferentes áreas para entender suas motivações. Jornalistas políticos, por exemplo, evitam mencionar filhos por motivos de segurança. Professoras optam por não expor seus filhos para protegê-los de bullying. Líderes podem ser "mal vistas" pelo mercado. Notem: o medo de algo acontecer com a carreira ou com as crianças é primordialmente o fator de decisão, não o desejo.

A inclusão de filhos nos perfis profissionais, mesmo que discreta, provoca reflexões sobre o equilíbrio entre maternidade e trabalho. Perguntei também a uma inteligência artificial se deveria ou não mencionar a maternidade no currículo. A resposta depende de como faço a pergunta, o que demonstra a complexidade do tema. "Você acha que eu devo colocar que sou mãe no currículo?" e "Você acha que eu não devo colocar que sou mãe no currículo?" geram resultados diferentes - faça você mesmo o teste na sua ferramenta de inteligência artificial preferida.

Esse debate atinge majoritariamente as maternidades. As mães ainda são questionadas sobre disponibilidade, comprometimento e qualidade no trabalho. As maternidades (solo, adotivas, da periferia ou do centro), ensinam habilidades inestimáveis. Um exemplo que tende a ser universal é a melhoria da gestão do tempo - imprescindível para equilibrar demandas pessoais e profissionais.

Reconheço que meu posicionamento vem de um lugar de privilégio. Nem todas as pessoas têm a liberdade de assumir essa postura sem medo de perderem seus empregos. Para trabalhadoras como empregadas domésticas, atendentes ou operadoras de telemarketing, priorizar a maternidade pode significar a perda de um trabalho. Esse direito ainda está intimamente ligado ao CEP, à origem e à cor de pele dessas mães.

Essa ação, eu sei, não resolve a questão estruturalmente. O mercado de trabalho precisa evoluir para aceitar e criar ambientes mais favoráveis para pais, especialmente mães, que desempenham o papel de cuidadores. Esse movimento deve vir de quem tem poder de decisão: diretorias, lideranças executivas e conselhos. Precisamos de melhores políticas de parentalidade, tanto no setor público quanto no privado, empresas, organizações não governamentais e serviço público.

Organizações e empresas têm tratado a partir de muitas lentes esse tema. A Coalizão Licença Paternidade - CoPai é uma aliança formada por indivíduos, empresas e instituições que compartilham a visão de estender a licença-paternidade de forma remunerada e obrigatória no Brasil. Filhos no Currículo, Maternidade nas Empresas, B2Mamy, 4Daddy prestam consultoria para organizações e empresas que queiram contemplar esse aspecto dentro de suas estruturas.

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Esse gesto desperta curiosidade. Ele ao menos desafia orientações mais tradicionais sobre o que deve ou não ser apresentado num currículo. E nada é mais poderoso do que uma boa pergunta para abrir brechas que permitam novas conversas e ações, colocando a vida no centro de tudo que fazemos.

*Ana Luisa Neca é mulher, branca, cis há 43 anos e Mãe do Tom há 8 anos. Nasceu em São Paulo e morou em outras cinco cidades espalhadas no Brasil. Curiosa, estudou as relações humanas por muitas lentes. É orientadora de carreira e fundadora da MOV!MENTO, consultoria que nasceu para inovar nas relações de trabalho, a partir da diversidade, da colaboração e do cuidado. Gosta mais de gente do que de coisas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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