Estruturar políticas para a infância pode transformar as cidades
Mais de 90% dos municípios do país já conhecem seu próximo gestor ou gestora, e suas equipes estão trabalhando para iniciar o ano com planos estruturados para os primeiros 100 dias de governo. Este é o momento de lembrar a todos, eleitos ou ainda em campanha, o que diz a Constituição Federal, em seu artigo 227, e indica o Marco Legal da Primeira Infância: a criança é prioridade absoluta. E a primeira infância, período que vai até os 6 anos, deve ser a prioridade dentro da prioridade. E isso deve estar refletido nos planos dos novos governos.
Mais do que uma obrigação legal, priorizar as crianças é um imperativo ético. A primeira infância é o momento em que os bebês e as crianças mais dependem dos adultos e, ao mesmo tempo, é a fase mais promissora de todo o seu desenvolvimento. Nesse período, o cérebro da criança atinge a sua máxima potência e, por isso, tudo é assimilado rapidamente. No entanto, este não é um processo automático. Esse desenvolvimento depende do que acontece no entorno da criança, dos estímulos e das interações dela com o meio. Cuidados adequados e afeto o fortalecem, enquanto sua ausência pode prejudicá-lo significativamente. Tanto as perdas quanto os ganhos dessa fase têm consequências ao longo da vida.
Por isso, cuidar desse início é zelar também pelo adulto e cidadão que essa criança se tornará. Para uma sociedade saudável, é preciso proteger as infâncias de forma integral: com saúde, nutrição, educação, convívio social e não exposição a violências. A boa notícia é que a maioria dos atendimentos necessários para apoiar esse desenvolvimento já está presente nos municípios, com profissionais e estruturas existentes. Isso significa que os novos prefeitos e prefeitas podem mudar a história das crianças de suas regiões - especialmente as mais pobres. E eles não estão sozinhos nisso.
O Marco Legal da Primeira Infância e outras legislações estabelecem que os cuidados com a infância devem ser compartilhados de maneira interfederativa, ou seja, União e estados apoiam técnica e financeiramente os municípios para que eles entreguem o atendimento de que as crianças precisam para viver bem. Este é o momento ideal para que os gestores e gestoras se aprofundem nas leis que regulamentam essas cooperações e planejem suas ações com base nessas parcerias.
Essa e outras orientações fazem parte do Guia de Políticas Públicas Institucionalizadas, uma das seis publicações criadas pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para apoiar os municípios na criação, implementação e execução de programas para a primeira infância, por meio da implementação de uma política e de um Plano Municipal de Primeira Infância - ou de seu aprimoramento, no caso dos municípios que já o possuem.
Dentre as principais recomendações estão: elaborar planos de Estado, ao invés de planos de governo, para a primeira infância; dar suporte às famílias; ampliar acesso e garantir qualidade na educação e na saúde; e proteger as crianças dos diversos tipos de violência - como racismo, abuso sexual e negligência.
A chave para implementar as medidas propostas nesses materiais é a organização da gestão municipal e suas secretarias de forma integrada, para que o município consiga identificar as famílias com crianças na primeira infância que mais precisam de apoio e articular estratégias intersetoriais para atendê-las. Esse é o caminho que o governo federal começou a trilhar neste ano de 2024, com o desenho da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI), que será desdobrada em comitês e planos estaduais e municipais.
Os novos prefeitos e prefeitas têm a chance de liderar essa transformação, tornando seu município referência no cuidado à primeira infância e no combate às desigualdades e à pobreza. Há evidências sólidas dos caminhos para isso e do efeito multiplicador e exponencial dos cuidados com a primeira infância em toda a população. E não há melhor momento para começar do que no começo - da vida e das novas gestões. Contem conosco nessa nova caminhada.
* Mariana Luz é CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho do Instituto Escolhas.
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