Mata Atlântica é bioma ideal para que projetos de restauração ganhem escala
A restauração de ecossistemas, quando realizada com técnicas e processos adequados, produz resultados que saltam aos olhos. Em um período relativamente curto, de cerca de 3 a 5 anos, a vegetação pode cobrir o solo anteriormente exposto, permitindo a recuperação da biodiversidade e revertendo a perda de solos, promovendo em médio prazo a disponibilidade de água em qualidade e abundância. Mas, além desses visíveis benefícios ambientais, a restauração de uma paisagem possui um grande potencial econômico que nem sempre é bem compreendido.
Na semana passada, o WWF lançou a mais recente atualização do Relatório Planeta Vivo, mostrando que o tamanho médio das populações de vida selvagem monitoradas sofreu uma catastrófica redução de 73% em apenas 50 anos. O documento alerta que a Terra se aproxima de pontos de não retorno perigosos, que representam graves ameaças para a humanidade, e que a restauração de ecossistemas desempenha um papel crucial na reversão da perda de biodiversidade, na melhoria dos serviços ecossistêmicos, no apoio a meios de subsistência sustentáveis e na contribuição para a mitigação das mudanças climáticas.
Técnicas de restauração podem ser usadas para recuperar florestas, savanas, campos, solos degradados, áreas agrícolas e bacias hidrográficas inteiras, restabelecendo os processos ecológicos e os serviços oferecidos pelo ecossistema, como a resiliência hídrica e a regulação climática. O processo não é trivial, nem barato, mas é perfeitamente factível, eficiente e tem um custo-benefício positivo, especialmente em um bioma como a Mata Atlântica.
Com sua biodiversidade incomparável, a Mata Atlântica é também um dos biomas mais ameaçados do mundo: já perdeu 80% de sua cobertura original e o que restou está altamente fragmentado. Por outro lado, é o bioma que reúne as condições ideais para que os projetos de restauração ganhem escala no Brasil.
Lar de 70% da população brasileira, abrangendo 17 estados, a região correspondente à Mata Atlântica gera 80% da riqueza do país. Nesse contexto, restaurar a floresta e reconectar seus fragmentos é uma necessidade urgente não apenas para recuperar a biodiversidade, mas sobretudo para prover serviços ecossistêmicos, como disponibilidade de água, para a sociedade e os setores produtivos.
Quanto maior a escala da restauração, maior também é a sua contribuição para o enfrentamento da crise climática, protegendo pessoas, empresas e processos produtivos dos efeitos de secas extremas - como a escassez hídrica que atinge o Sudeste brasileiro - e de chuvas intensas, como inundações e deslizamentos. Recompor grandes áreas da Mata Atlântica é fundamental para que o Brasil cumpra suas metas no Acordo de Paris, que incluem a restauração de 12 milhões de hectares até 2030.
Experiência acumulada
Outros fatores ainda conferem à Mata Atlântica um enorme potencial para destravar a cadeia de restauração no Brasil. Trata-se do bioma brasileiro onde há mais experiência acumulada em restauração de ecossistemas, com tecnologias comprovadas e métodos consolidados, como evidenciam as fotos que ilustram este artigo. É na Mata Atlântica que têm se concentrado, nos últimos 15 anos, as iniciativas de restauração no Brasil - e onde atuam, em sua maioria, as organizações e redes que hoje se dedicam a essa tarefa.
Não à toa, surgiu ali, em 2009, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, o maior e mais antigo coletivo de restauração do Brasil, que agrega empresas de vários setores, órgãos de governo, centros de pesquisas, associações e organizações não-governamentais como o WWF-Brasil, a fim de desenvolver a cadeia produtiva da restauração e fortalecer iniciativas. Além disso, promove o aprimoramento de metodologias e a disseminação de conhecimento, consolidando a Mata Atlântica como referência nacional e internacional em restauração.
Junto com a Rede Trinacional da Mata Atlântica, que conta com organizações da Argentina, Brasil e Paraguai, o pacto posicionou o bioma como uma das 10 Iniciativas de Referência da Restauração Mundial ("flagship" em inglês) da Década da ONU de Restauração de Ecossistemas, reconhecendo que restaurar vai além do plantio de árvores, promovendo benefícios para as pessoas e a natureza, gerando trabalho, renda e transformando vidas.
No entanto, o passivo de áreas a serem restauradas é considerável e o desafio não é simples. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica tem uma meta de restaurar 15 milhões de hectares até 2050. Estudos já mostraram que restaurar cerca de 5 milhões de hectares em áreas prioritárias resultaria na redução do risco de extinção de até 647 espécies, possibilitaria o sequestro de até 5,6 milhões de toneladas de carbono da atmosfera e aumentaria em até 2,3 vezes o potencial de melhoria da qualidade da água .
A ciência não deixa dúvidas de que é perfeitamente possível impulsionar a cadeia de restauração da Mata Atlântica, pois a tecnologia, o conhecimento e a capacidade para isso já existem. No entanto, para viabilizar esse impulso, é preciso aumentar o número e a escala de projetos de restauração - e, nesse sentido, um maior engajamento do setor produtivo é absolutamente indispensável.
Embora a necessidade de investimentos seja alta, é preciso lembrar que a produção da maior parte das empresas depende de insumos da natureza - em especial a água - e muitas delas já sentem hoje, em sua produção e operação, os impactos negativos da devastação e da crise climática.
Nesta Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas, é fundamental que mais empresas percebam a importância de aderir a esse movimento, enxergando aí uma oportunidade para proteger seu próprio negócio e garantir seu resultado operacional.
Não menos importante é mobilizar, por meio de um trabalho em rede, toda a cadeia da restauração, estruturando viveiros, fortalecendo e profissionalizando organizações de base como as redes de coletores de sementes e organizações restauradoras e de assistência técnica. Integrar as comunidades locais às ações de implementação de projetos de restauração também é uma forma de promover a inclusão de populações vulneráveis, gerando renda e dignidade. Por isso, o trabalho do WWF-Brasil em restauração é sempre realizado, de forma inclusiva e participativa, junto a comunidades locais.
Nosso papel tem sido o de articular todos os elos da cadeia de restauração, criando governança para a ação em grandes paisagens, envolvendo o setor privado, órgãos de governos, produtores rurais e todo um mosaico de setores e pessoas diversas, seja na Ecorregião do Alto Paraná, na Serra do Mar, no Espírito Santo, na Mata Atlântica Nordestina ou na Bacia do Rio Doce.
Acreditamos que restaurar a natureza contribui diretamente para a criação de um novo modelo de desenvolvimento que promova a qualidade de vida e a economia sustentável com geração de "empregos verdes" e renda, além de impulsionar o avanço tecnológico na cadeia produtiva da restauração. O que a sua empresa está fazendo para colaborar com esse movimento?
* Daniela Teston é diretora de Relações Corporativas do WWF-Brasil. Thiago Belote é especialista em Conservação e líder de Restauração do WWF-Brasil.
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