Amazônia é menos importante do que os bancos para o futuro da humanidade?
A humanidade está vivenciando crises globais múltiplas, que incluem as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade e o agravamento da pobreza e dos conflitos armados. Vale explorar a conexão entre essas crises e, especialmente, entre os desafios do clima e da biodiversidade.
Acaba de ser realizada a COP16 da Diversidade Biológica, em Cali, na Colômbia. Essa COP tem uma relação direta com a COP30, do Clima, que ocorrerá em Belém, em novembro de 2025. A Amazônia tem uma centralidade para as duas convenções.
Sob o ponto de vista da biodiversidade, a região guarda mais de 10% da biodiversidade global, incluindo 18% das espécies de plantas e peixes do planeta.
Por outro lado, sob a perspectiva das mudanças climáticas, a Amazônia guarda cerca de 150 bilhões de toneladas de CO2 em seus ecossistemas, quase cinco vezes o total das emissões globais de gases efeito estufa. A Amazônia é também o grande ar-condicionado e caixa d´água regional e tem um papel fundamental para o regime de chuvas de todo o mundo, especialmente da América do Sul.
Os debates da ONU em Cali enfatizaram a necessidade de estancar e começar a reverter a destruição da natureza. As pesquisas científicas mostram cada vez mais a importância da biodiversidade nativa para manter a produção de alimentos. Sem as abelhas e outros polinizadores, a produção de alimentos sofre sérios prejuízos. Sem os pássaros e outros predadores naturais, os cultivos ficam muito mais vulneráveis a pragas e doenças, aumentando a necessidade de agroquímicos, com consequente aumento de custos e contaminação de alimentos. Em outras palavras, conservar a biodiversidade é bom para o bolso e para a saúde das pessoas.
Os debates que ocorrerão em Belém colocarão no centro das atenções as chamadas "soluções baseadas na natureza". Primeiro, são soluções 5 a 10 vezes mais baratas do que soluções baseadas em processos industriais. Além disso, as soluções baseadas na natureza trazem cobenefícios como a manutenção dos regimes de chuvas, a conservação da biodiversidade e a geração de emprego e renda, especialmente para os mais pobres.
A convergência das agendas de Cali e Belém é cada vez mais óbvia. O chamado do papa Francisco por uma mudança de nossas economias na direção de uma transformação ecológica é urgente. Esse chamado, sintetizado na Encíclica Laudato Si, em 2015, é mais atual do que nunca. E as evidências científicas são cada vez mais claras sobre a necessidade de cuidar melhor da natureza, que é a base de sustentação da vida no planeta Terra.
As duas Convenções apontam para a necessidade de mudar o rumo das nossas economias e dos nossos modos de vida. É necessária uma transição ecológica para uma economia que beneficie a natureza, o clima e as pessoas. O mundo precisa urgentemente fazer a transição dos combustíveis fósseis, estancar e reverter a degradação da natureza, garantir a segurança alimentar e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Uma carta de lideranças globais, lançada durante a COP16, representando empresas, investidores, cientistas, povos indígenas, jovens e organizações da sociedade civil, conclamou os anfitriões da COP16 e da COP30, Colômbia e Brasil, a forjarem uma parceria duradoura, guiar o mundo no enfrentamento das mudanças climáticas e da proteção da natureza.
Do ponto de vista prático, os governos de todo o mundo deverão atualizar suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), que devem ser entregues até fevereiro de 2025. Esses planos nacionais de ação climática devem priorizar as soluções baseadas na natureza e colocar a Amazônia na centralidade do debate internacional.
Há alguns anos cunhei uma analogia provocativa: a Amazônia é importante demais para colapsar. Os bancos de Wall Street foram considerados grandes demais para colapsarem na crise de 2008. Isso justificou os governos a prover pacotes de ajuda que inicialmente estavam estimados em cerca de US$ 700 bilhões, mas alcançaram mais de US$ 2 trilhões. Seria a Amazônia menos importante do que os bancos para o futuro da humanidade?
As pessoas já estão vivendo o pesadelo de um planeta em aquecimento e mudança climática. As sociedades estão despreparadas para enfrentar as catástrofes climáticas, que se mostram cada vez mais agudas e devastadoras. Vale insistir: a Amazônia é importante demais para ser deixada levar pelos interesses daqueles poucos que se beneficiam com a sua destruição em detrimento de todos nós.
Nós somos a primeira geração a realmente entender a dupla crise climática e a última geração capaz de enfrentá-la em tempo hábil. Este é um momento decisivo. É hora de pressionar todas as lideranças a agir. Antes que seja tarde demais.
*Virgilio Viana é superintendente geral da FAS (Fundação Amazônia Sustentável), é engenheiro florestal pela ESALQ/USP, Ph.D. pela Universidade de Harvard, membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano e professor da Fundação Dom Cabral.
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