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"Cidade inteligente é a que consegue resgatar a população mais vulnerável"
Com experiência na implementação de sistemas de gestão, análise e monitoramento de dados, o pesquisador Filipe Rocha é pragmático quanto ao uso da tecnologia, especialmente na gestão pública. Afinal, precisamos lembrar que por trás dos dados existem pessoas, há histórias da vida real. Conversamos com Rocha sobre a construção de políticas públicas para a primeira infância e como a gestão de dados propicia ações assertivas e estratégicas para a transformação das cidades. Filipe Rocha é consultor de Sistemas de Monitoramento para Primeira Infância da Fundação Bernard van Leer e pesquisador na área de integração de dados da Unicamp e Data Protection Officer.
Ecoa - Qual a importância da gestão de dados na formulação das políticas públicas em geral?
Filipe Rocha - Para as políticas públicas é fundamental, nada menos do que isso. Isso vem sendo falado no Brasil desde os anos 1990, com a integração do Datasus. Em 2021 já avançamos muito na gestão de dados, mas ainda observamos que muitos municípios não levam estas estratégias para dentro da Administração.
Existe uma força de trabalho hoje muito grande nas prefeituras, com a extensão da comunidade escolar na educação básica, indicadores da assistência social e saúde. Mas como localizar estas pessoas e colocá-las para atender quem mais precisa? Como fazer a segregação positiva, ou seja, focar nos que mais necessitam da gestão? A gestão de dados traz esta resposta, e nos ajuda a usar os recursos que já estão em campo para beneficiar as famílias que mais precisam. Por meio dos dados conseguimos chegar na população mais vulnerável. Inclusive para que haja uma economia de recursos para a gestão pública no futuro, uma certa inteligência precisa ser usada.
E no caso da primeira infância, quais as particularidades no uso de dados?
O monitoramento dos dados começa na gestação. E no nascimento já iniciamos uma nova e importante etapa, que vai até os três anos de vida. Neste período há ações que não podem ser adiadas, um ponto onde não há recuperação.
Com os dados acontece o mesmo: o tempo de coleta e análise é muito curto, se a gente perde o momento da coleta, uma série de questões não se recupera depois. Esta é uma das grandes complexidades em políticas para primeira infância, a periodicidade e o fator temporal. É o caso das vacinas, que precisam ser tomadas em um período determinado, ou mesmo da amamentação. São muitos indicadores em um curto período de tempo, o primeiro ano. Outra complexidade é que pensar em crianças envolve também políticas para pais e cuidadores, como a questão da saúde mental das mães. A abordagem que trazemos é um olhar para estas pessoas, crianças e mães, e como podemos usar os dados para atendê-las com um bom tempo de resposta.
Como os dados podem ajudar a formular políticas para a primeira infância?
Quando falamos de saúde, educação e assistência social, que são os serviços que mais atendem os vulneráveis no Brasil, sabemos que aí também estão sendo atendidos grupos etários da infância e primeiríssima infância. E se o custo para o setor público é enorme com a desinformação, no caso da primeira infância fazemos uma economia para o futuro, de vidas e recursos. O foco aqui é a prevenção.
Em relação à primeira infância, temos mais de 150 atividades para monitorar e as cidades têm acesso a esta informação. Acredito hoje que a verdadeira cidade inteligente não é aquela com melhores tecnologias ou sistemas de gestão de dados, mas aquela que consegue resgatar a população que mais precisa e dar atenção aos vulneráveis. Inteligência na gestão é usar recursos que já existem para acessar pessoas, afinal são elas que estão por trás dos gráficos e números.
Como as cidades conseguem ir além das ações imediatistas e expandir a agenda da infância por meio dos dados? Em que sentido a comunidade toda pode ser beneficiada?
Com a gestão de dados do território, que passa pelo mapeamento da presença de escolas, paradas de ônibus e equipamentos de saúde. Ao abrir uma nova unidade de saúde o gestor deve se perguntar quem ela atenderá, mais idosos ou crianças? É um exemplo de como dados podem ajudar a tomar decisões efetivas e planejadas para atender aquela população vivendo nas cidades. Pensando agora com a covid-19, quando a grande maioria das pessoas vai se vacinar. Isto significa uma atualização cadastral nacional, de endereço e unidade básica referência para toda a população, número de pessoas que habitam naquele território e cobertura de determinada unidade de saúde. Estas são as informações que podem subsidiar novas políticas, mesmo sem novos investimentos.
E como fazer com que esse conhecimento seja incorporado por todo o corpo técnico e político de uma cidade?
Defendemos muito que os municípios não gastem tanto para a gestão de dados, mas usem o que já existe disponível. Neste sentido, não faltam recursos para tratar as informações, mas priorização aplicada à tecnologia. E aqui não me refiro a adquirir um sistema inovador, mas incorporar uma nova política de gestão nas administrações locais. Não vejo uma cidade que tenha tido vontade política e não atingiu seus objetivos a partir da gestão de dados. Para que a cidade mude de verdade, a liderança é fundamental.
Qual o papel da imprensa e da sociedade civil organizada nesse processo?
Acompanhar, cobrar e colaborar, inclusive no sentido de apoiar a análise destes dados. Hoje já existem projetos de colaboração que apoiam os municípios, com estudantes universitários, arquitetos e urbanistas. Novamente citando o caso da covid-19, por necessidade o consórcio de imprensa se juntou para levantar os dados públicos de forma confiável. E conseguiram. A iniciativa privada também pode contribuir, principalmente com o desenvolvimento da estruturação tecnológica.
Impossível falar em dados sem pensar em transparência e prestação de contas. Como essa cultura pode favorecer a construção de cidades mais sustentáveis para nossas crianças?
Já temos legislações que defendem isso, como a Lei de Acesso à Informação e a Lei da Transparência. Esse arcabouço legal existe, precisamos agora aprender como lidar com seus conflitos, como a oposição entre privacidade e transparência na questão dos dados pessoais. Ainda não existe um entendimento para este imbróglio, uma questão que está amadurecendo no Brasil nos últimos cinco anos.
É interessante ver como alguns países já aboliram o Censo, porque a gestão de dados é tão regular que a atualização cadastral é praticamente constante nos municípios. No caso de comunidades vulneráveis, por exemplo, é muito difícil fazer um Censo, mas todas estas pessoas usufruem de serviços públicos, como água, luz. Estes dados podem colaborar para entender estes territórios e como melhorar o espaço para as crianças.
Carol Guimarães estará distante nos próximos meses vivenciando, agora na prática, a primeira infância na cidade durante sua licença-maternidade.
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