Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É hora de natureza na vida das crianças
A chegada da variante Ômicron mostrou que há muita coisa por aprender e descobrir a respeito da pandemia da covid-19, da mesma forma como temos apenas uma ideia preliminar e superficial dos impactos de tudo que enfrentamos até agora na vida das crianças.
Há indícios e evidências de que elas sofreram impactos em seu desenvolvimento social, emocional, físico e cognitivo, mas ainda levaremos anos para compreender, com mais profundidade, as consequências de meses de quarentena, isolados do outro, da comunidade escolar, dos serviços de proteção social e da fruição dos espaços abertos.
Um fato parece consenso entre pais, educadores e profissionais de saúde: precisaremos de todos os esforços possíveis a fim de mitigar os impactos da pandemia e fortalecer essa geração que irá enfrentar tantos desafios, incluindo as consequências das alterações climáticas, a desigualdade social e econômica, e as rápidas mudanças tecnológicas.
Avaliar o que ajudou famílias e crianças a atravessar esse período pode ser um caminho eficiente. Uma pesquisa lançada no final de novembro pelo Instituto Alana, com apoio da Fundação Bernard van Leer e do WWF-Brasil, avaliou o papel que o brincar a céu aberto desempenhou neste sentido. Os achados comprovam o que qualquer pessoa que convive com crianças é capaz de atestar: meninos e meninas estabelecem uma relação com o mundo por meio do brincar e a natureza é o espaço privilegiado para que essa forma de expressão aconteça em sua maior potência e beleza. Isso se traduz em benefícios de múltiplas dimensões: 81% das famílias perceberam que o contato com a natureza permitiu que as crianças passassem pela pandemia com mais saúde e bem-estar.
Entretanto, mais uma vez, as desigualdades profundas que marcam nossa sociedade se fizeram presentes: a mesma pesquisa apontou que o acesso a áreas verdes no período da pandemia, a realização de passeios em parques e outras áreas ao ar livre, e o cultivo de plantas em casa foram maiores nas famílias com maior renda e para os respondentes com maior escolaridade.
Quando perguntados sobre o futuro, os respondentes confirmam um dos fenômenos da pandemia: a redescoberta da natureza. Os dados mostram que 75% das famílias pretendem levar as crianças mais vezes a espaços públicos, como praças e parques, e 59% passaram a pensar mais sobre a importância de ter áreas verdes na cidade.
Essa é uma janela de oportunidade que precisamos aproveitar para tornar o acesso à natureza e ao brincar livre à céu aberto uma prática menos relacionada à privilégio e mais ao que de fato é: um direito de todas as crianças. Isso deve ser feito de forma sistêmica e articulada entre diversos atores sociais e áreas de conhecimento. Descrevo aqui três iniciativas que exemplificam essas possibilidades:
A primeira delas é uma Nota de Alerta, recém lançada pela Sociedade Brasileira de Pediatria, recomendando que famílias e pediatras priorizem a inserção de oportunidades de brincar ao ar livre na vida das crianças com a flexibilização das orientações de isolamento social. Cada chance conta: um passeio na rua, um piquenique na praça, uma caminhada no parque. Esse material foi uma das inspirações da campanha É hora da natureza, que busca chamar a atenção de educadores, famílias, profissionais de saúde e gestores urbanos sobre o papel das experiências ao ar livre como estratégia de promoção de saúde e bem-estar para crianças e adolescentes.
A segunda é a disseminação de ideias e repertório ligados à naturalização dos espaços de brincar. Na prática, significa tornar os parquinhos e outros espaços de lazer e encontros entre crianças e famílias mais cheios de árvores, plantas, terra e água, por meio da implantação dos chamados parques naturalizados. Há evidências sólidas de que criar e possibilitar o acesso de bebês, crianças, jovens e famílias a espaços naturais diversos e acolhedores pode contribuir muito para a recuperação de sua saúde e bem-estar, bem como para o fortalecimento de vínculos e conexões sociais. Algumas cidades, como Fortaleza, Caruaru e Niterói, estão investindo nesse caminho. Segundo Mariana Gomes, arquiteta e planejadora urbana da prefeitura de Fortaleza, "a construção dos microparques naturalizados ampliou a visão para o espaço público. Existem muitos locais abandonados, cheios de lixo que, com criatividade, intervenções rápidas e a baixo custo, podem ganhar uma função".
Se o futuro é incerto em relação a essa ou outras pandemias, um fato está cada vez mais claro: a relação entre a saúde da humanidade e a saúde da Terra. Portanto, é fundamental que, com essas evidências em mãos, comunidades, instituições e governos considerem a natureza como aliada. Para as crianças e suas famílias, em sua maioria morando em ambientes urbanos, é fundamental ter oportunidades de convívio e lazer em espaços públicos naturais acessíveis e qualificados. Experiências como essas trazem saúde e bem-estar e contribuem para o fortalecimento de uma urgente conexão emocional entre nós e o mundo natural, fator fundamental para o enfrentamento das crises ambientais que afetam a todos nós.
Maria Isabel Amando de Barros é Engenheira Florestal e Mestre em Conservação de Ecossistemas. Desde 2015 trabalha como pesquisadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.
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