Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ruas de brincar resgatam o espaço público para as crianças
Pular corda, amarelinha, esconde-esconde e queimada são algumas das brincadeiras mais tradicionais no Brasil, ou pelo menos foi assim até pouco tempo atrás. Com o crescimento dos centros urbanos e o aumento da violência, as novas gerações acabaram se emparedando cada vez mais nas casas e escolas, enquanto as brincadeiras de rua e a liberdade de correr por aí foram ficando para trás.
Mas não são apenas as crianças que perderam com a clausura progressiva das últimas décadas, pois as ruas também precisam das pessoas para manterem sua utilidade social. A presença dos pequenos nos espaços públicos resgata a vivacidade das ruas e relembra à cidade de que o território não é apenas para os carros.
Com essa ideia em mente, comunidades de todo o mundo vêm implementando as ruas de lazer, chamadas também de ruas brincantes ou ruas de brincar. Com medidas simples, como o fechamento periódico das vias para o fluxo de veículos, as cidades garantem condições para que os moradores da região possam usufruir do espaço público de forma mais livre e, principalmente, segura. Abrir as ruas para a prática de exercícios físicos, ações comunitárias e brincadeiras infantis também é uma forma de incentivar as relações de vizinhança e os vínculos comunitários com a cidade.
Na Cidade do México, o projeto de ruas de brincar considera a proximidade com escolas e creches, especialmente em bairros de baixa renda e onde existem menos opções de lazer gratuito para as famílias. Em Bristol, na Inglaterra, e na cidade de Libreville, no Gabão, as ruas abertas acompanham a tradição local de uso do espaço público para atividades familiares e privadas.
Na América Latina temos exemplos de referência, como a cidade de Bogotá, na Colômbia, que realiza o fechamento de ruas para a comunidade há mais de 4 décadas. Já Rosário, na Argentina, comemora o Dia de Brincar há mais de 20 anos. O projeto, que foi apresentado à Câmara Legislativa pelo Conselho de Meninos e Meninas da cidade, tornou lei municipal o fechamento anual de vias públicas na primeira quarta-feira de outubro. Ambas as cidades celebram a convivência e a diversão coletiva como chave para o pertencimento comunitário.
São Paulo também conta com legislação própria e teve sua primeira Rua de Lazer implementada ainda na década de 1970. Hoje são mais de mil ruas fechadas periodicamente para que a comunidade paulistana ocupe brincando.
Em Jundiaí, o projeto Ruas de Brincar integra a iniciativa "Cidade das Crianças", e por decreto municipal a população pode solicitar o fechamento de uma via em seu bairro para torná-la um espaço brincante. Para isso, basta que 75% dos vizinhos estejam de acordo. Cavaletes estilizados apoiam a segurança no local, delimitando espaço para as crianças e para os veículos que durante o período têm sua circulação restringida.
São Caetano e São José dos Campos, também em São Paulo, Curitiba (PR), Viamão e Canoas, ambas no Rio Grande do Sul, integram o time de cidades que têm investido em ruas de lazer para a população. E não são apenas as grandes cidades que estão dando novas funções para suas ruas. Em Uruçuca, município baiano com pouco mais de 20 mil habitantes, o projeto Ruas Brincantes fez sua primeira atividade em dezembro de 2021, mas a cidade já estuda como incorporar a atividade ao cronograma da cidade, atraindo crianças e famílias para ocupar as ruas.
Papel, tinta guache, giz e canetinhas coloridas fazem parte do kit de brincadeiras fornecido pela prefeitura, que em conjunto com várias secretarias municipais selecionou uma rua já asfaltada e próxima ao Centro de Cultura local para implementar a ação, já um polo de atividades comunitárias
O Instituto Alana tem um guia sobre como transformar vias em Ruas de Lazer, com ideias de atividades e brincadeiras para as crianças. O material pode inspirar outras cidades com subsídios técnicos e dicas para a integração da comunidade nas ações.
Contra a institucionalização das crianças e a privatização dos espaços públicos, abrir as vias para a comunidade é uma forma de reaproximar as crianças e suas famílias da natureza, dos espaços ao ar livre e da ocupação de espaços públicos, muitas vezes obsoletos.
Ir na contramão do enclausuramento impulsiona uma experiência mais rica para a vida urbana e desloca as crianças de uma dinâmica para além de salas de aula fechadas, playgrounds de prédios e shoppings centers.
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