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Rodrigo Hübner Mendes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E os alunos indígenas?

Professora Elisângela Surui e seus alunos, em Cacoal (RO) - Thiago Flor/ Nova Escola
Professora Elisângela Surui e seus alunos, em Cacoal (RO) Imagem: Thiago Flor/ Nova Escola

Rodrigo Hübner Mendes

14/05/2021 13h23

"A gente precisa valorizar a identidade dos povos indígenas, a língua materna de cada etnia", respondeu Elisângela Surui, quando perguntei como garantir o direito à educação à população indígena. Elisângela, antes professora, atua atualmente como coordenadora pedagógica das escolas suruí em Cacoal (RO). Garantir espaço na escola para a língua materna de uma etnia pode parecer algo óbvio e inevitável, mas não é o que se observa na prática. Segundo ela, os livros didáticos são escritos em língua portuguesa e a língua dos alunos fica restrita a raros momentos.

Conheci Elisângela em 2017, quando ganhou o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, do qual fui jurado. Como resultado do seu projeto, intitulado "Mamug Koe Ixo Tig", os estudantes da aldeia NabekodAbadakiba criaram seu próprio material de estudo, para ler e escrever em paiter-suruí, a língua deles.

O quebra-cabeça da educação indígena é cheio de contradições pela própria natureza da diversidade dos povos indígenas. Só em Rondônia, 114 escolas indígenas acolhem e formam 3.782 alunos de 43 terras indígenas, espalhadas por mais de dez municípios. Difícil pensar como produzir livros em tantas línguas e como cuidar da formação continuada, que tira os professores de sala de aula por um tempo, deixando os estudantes sem aulas. Outro desafio é planejar o ano letivo indígena, respeitando a cultura de cada etnia e, ao mesmo tempo, o período de férias de professores não indígenas, que segue o calendário tradicional. Mais complicado ainda é equacionar o ensino para alunos surdos (em boa parte das etnias, o casamento consanguíneo acontece com o intuito de fortalecer a família e, provavelmente por isso, algumas crianças nascem surdas). Imagine você que, para conversar com os indígenas surdos, amigos e familiares criam alguns sinais. Quando o professor de Libras da secretaria estadual chega à aldeia na companhia de um intérprete, se depara com essa novidade e tem de incorporá-la ao que vai ensinar.

Ainda assim, Elisângela não desiste. Aliás, ela não desiste há tempos. Desde 2001, quando começou como assistente voluntária na escola Sertanista Francisco Meireles e onde fez sua carreira como professora. Ela defende que a especificidade da educação indígena não pode ser vista como um agravante, um dificultador para a educação dos povos indígenas. Fala com entusiasmo e preocupação sobre o desafio de respeitar o dialeto de cada etnia e suas as tradições, ao mesmo tempo que ensina o português. "Quem leciona em escola indígena, tem de fazer mais. Tem de construir o próprio suporte de ensino, entender a língua, escrevê-la. Tem de se aproximar da comunidade, conhecer a cultura. Tem de ser pesquisador e produtor do conhecimento. Existe o horário previsto para o planejamento, mas nosso trabalho vai além de planejar as aulas. Nós fazemos mais do que isso", explica.

Com entusiasmo, ela também fala sobre a habilidade dos estudantes de conviver com o mundo indígena e o não-indígena, intercalando-os a todo o momento e fazendo dessa mistura um ganho para a vida. "Há anos, esses mundos não são mais realidades paralelas: um interfere no outro a todo momento e lidar com isso não é trivial. Incrível pensarmos que os primeiros contatos dos indígenas em Rondônia com outras pessoas aconteceram somente há 50 anos", diz Elisângela. Oikoealap Sulivan surui é um desses alunos. Hoje, ele faz faculdade de enfermagem numa instituição particular em Porto Velho, graças a uma bolsa de estudos. "Sulivan é a prova viva da qualidade que a educação indígena pode ter", diz ela, que foi sua professora desde o primeiro ano do Ensino Fundamental.

A pandemia trouxe efeitos devastadores para a educação dos estudantes indígenas. Desde seu início, a maioria está sem aulas, materiais, equipamentos e acesso à internet. Ainda assim, Elisângela não esmorece. Ressalta que a equipe não parou de trabalhar na secretaria de educação. "Até agora, muito já foi feito, mas existem muitas barreiras, muitas questões. Ainda falta um tanto para ser uma educação verdadeiramente indígena, para fazer com que os estudantes se sintam quem são e saibam o direito que têm de aprender", finaliza.

Elisângela é mais um exemplo do traço resiliente de que tanto precisamos em nossas redes de ensino. Sinto-me feliz por ter tido a chance de participar da comissão que a premiou em 2017.