Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Homeschooling: a família não pode ser uma "instituição total"
Está em discussão na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 3.179, de 2012, que visa regulamentar a oferta domiciliar da educação (homeschooling) no Brasil. Outros seis projetos de lei tramitam em conjunto, agrupados ao original. O dispositivo faculta aos sistemas de ensino admitir essa alternativa, a ser desenvolvida pelos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes.
No debate público sobre o tema, existe uma constante confusão entre o significado dos termos "ensino à distância" e "ensino domiciliar (homeschooling)". O EAD é uma modalidade já consagrada ao redor do mundo que, em geral, permite que o aluno, na fase da Educação Básica, tenha alguns momentos do processo de aprendizagem promovidos por meio de ferramentas à distância. Mas o contato presencial na instituição de ensino continua sendo obrigatório e os professores dessa instituição continuam sendo os atores responsáveis por promover o ensino. Já no homeschooling, esse papel é delegado à família, que não foi formada para promover o ensino dos seus filhos.
A proposta de substitutivo ao projeto de lei apresentada pela deputada relatora Luisa Canziani prevê que haja articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios dos sistemas. Considera também, dentre outras coisas, como condição para o homeschooling, comprovação de escolaridade de nível superior de pelo menos um dos pais ou responsáveis, cumprimento dos conteúdos curriculares de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), realização de atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural, e a garantia, pelos pais ou responsáveis legais, da convivência familiar e comunitária do estudante. Apesar de revestida de boas intenções, essa proposta não resolve a vala a que o homeschooling vai levar nossa educação. Não há como promover formação integral, convivência comunitária e aprendizagem alinhada à BNCC sem que haja a experiência do convívio presencial na escola.
Na última na sexta-feira (17) participei de uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o tema, onde defendi que regulamentar o ensino domiciliar no Brasil irá prejudicar de maneira mais intensa os estudantes com deficiência. A história da conquista de direitos desse segmento da população ainda é muito recente e está longe de poder ser considerada consolidada. Muitas famílias ainda acreditam que estariam protegendo seus filhos, deixando-os em casa. Porém, a convivência com a diferença, com a singularidade humana e a oportunidade de aprendizagem coletiva é direito essencial dessas pessoas. Inúmeras pesquisas comprovam que essa convivência é pedagogicamente benéfica para todos os estudantes. Quero destacar que não estamos falando de um elemento desejável, mas insubstituível. Em suma, não há como pensar no desenvolvimento integral de uma criança ou adolescente sem que haja convívio, interação e troca presencial.
Por outro lado, a escola tem um papel único que precisa ser fortalecido, com diretrizes curriculares que foram pactuadas por toda a sociedade brasileira nos últimos anos. As dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular, por exemplo, foram definidas prevendo a interação como elemento chave para seu desenvolvimento, tarefa impossível de se cumprir sem colegas e mediação escolar. Soma-se a isso a consciência de que a mediação desse processo de aprendizagem precisa ser feita por profissionais com formação pedagógica adequada, conforme previsto nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A família não é e não pode ser uma "instituição total", que tem arbitrariedade sobre o destino do menor que está sob seus cuidados. É direito da criança estar em outros espaços, tanto para que se aprofunde em sua formação como cidadã, quanto para garantir que seus direitos fundamentais e seu pleno desenvolvimento sejam preservados.
Especialistas que se dedicam a estudar qual o tipo de educação é necessário para o mundo em que vivemos hoje, um mundo de profunda integração, em que as distâncias foram eliminadas pelo avanço da tecnologia, apontam que as tradicionais competências cognitivas priorizadas antigamente pelas escolas não são mais suficientes. O mundo do trabalho hoje prioriza pessoas que têm a capacidade de se relacionar com quem é diferente, de mediar conflitos e de promover cooperação. Essas competências só são adquiridas por meio do ensino presencial, por meio do contato humano e da experiência de estar em contínua interação com a comunidade escolar. É desse modelo de educação que precisamos para que a gente tenha a chance de mudar os rumos futuros do nosso país.
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