MEC tem prazer em insistir no Enem mais injusto da história
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Na marra, na contramão de grande parte dos países, contrariando as recomendações de entidades e conselhos de educação, desconsiderando reclamações de escolas, divergindo de professores e insensível aos pedidos dos estudantes, o MEC abre hoje, segunda-feira, 11 de maio, o período de inscrições para o Enem 2020. Com as incertezas em torno do avanço da pandemia, pode ser a edição mais perigosa do principal exame de acesso ao ensino superior do país. Com a paralisação das aulas presenciais e a substituição desigual por estratégias a distância, será certamente a mais injusta da história.
Há método na insistência. Exibindo fidelidade canina a Bolsonaro, o ministro Abraham Weintraub lança mão dos mesmo padrões de comunicação do chefe. Para encobrir uma gestão ruinosa, provoca a audiência em performances patéticas e disputas insignificantes. É conhecida sua obsessão com o painel de Paulo Freire instalado à frente do MEC. Prosseguir com prazos inflexíveis para o Enem é, em certo sentido, mais uma cortina de fumaça — há previsões de que o surto dure pelo menos até o fim do ano e o Ministério terá de capitular ao adiamento.
A diferença é que, agora, Weintraub não está brigando com um mural inanimado ou com um delírio de sua mente apalermada, como a suposta doutrinação comunista nas escolas. Ao teimar no Enem, brinca com a vida de 5 milhões de estudantes — e de milhares de servidores e outros profissionais que, para viabilizar o exame, terão de ser mobilizados para trabalhos presenciais e em grupo, da formulação de questões à impressão do cadernos de prova.
No repulsivo vídeo de divulgação da edição 2020, o MEC indaga: "E se uma geração de novos profissionais fosse perdida? Seria o melhor para o nosso país?" É outra aposta na desinformação. Adiar o exame e aguardar o retorno das aulas presenciais, como propõe o Conselho Nacional de Educação (CNE), não significa que quem deveria concluir o Ensino Médio em 2020 não possa fazer o Enem. O ano letivo não precisa coincidir com o ano civil. "A vida não pode parar", outra das frases da peça, é exatamente o contrário do que se precisa agora. Diante da marca de 10 mil mortes por covid-19 e uma curva ainda ascendente, suspender planos e atrasar — possivelmente em alguns meses — um exame é a coisa certa a se fazer.
A adoção de aulas online tem sido cercada de polêmica. Não dá para agir como se o que estivesse acontecendo fosse uma simples substituição. Há atividades prejudicadas e outras simplesmente insubstituíveis no ambiente online, sobretudo as que envolvem projetos, debates e interações em grupo. Embora Weintraub insista que a pandemia atinge a todos por igual, as condições de oferta da educação a distância variam enormemente. Sai penalizada a parcela mais vulnerável da população — sem acesso à internet, estudando em redes com infraestrutura precária e atendida por professores sem familiaridade com a tecnologia, que fazem o que podem diante de soluções improvisadas para continuar ensinando. Do outro lado, alunos de redes de elite contam com variedade de opções, de simulados corrigidos em tempo real a plantões de dúvida e auxílio psicológico por internet. Adquirem uma avenida de vantagem na competição por um posto nas instituições mais cobiçadas.
Dizer que não haverá impacto pela existência da lei de cotas, que reserva 50% das vagas de universidades e institutos federais a estudantes de escola pública, é ignorar a heterogeneidade das redes estaduais e federal e de seu alunado — as disparidades regionais e entre escolas mais bem estruturadas e precárias tende a se aprofundar. Da mesma forma, é de se esperar um predomínio ainda maior da rede particular na outra metade das vagas, aberta à concorrência do público geral. Também vale lembrar que, apesar das cotas, o funil para os egressos de instituições públicas segue sendo muito, muito mais estreito — escolas mantidas pelos três níveis de governo concentram cerca de 80% das matrículas no país.
As evidências não comovem o MEC. Ao contrário: em seu infame perfil no Twitter, Weintraub faz de tudo para encaixar a polêmica dentro da chave amigo-inimigo tão cara ao bolsonarismo. Sem corar, acusa os opositores de fake news ao dizer que "apenas" 28% dos candidatos estão cursando o terceiro ano do Ensino Médio (o "apenas" se refere a 1,5 milhão de estudantes); tergiversa "denunciando" que as eleições não serão adiadas (se a pandemia persistir, precisam ser — e ele que cuide de sua seara); diz que os pedidos de adiamento partem de "políticos de esquerda" (quando a mobilização da sociedade civil é suprapartidária). Lança-se ao ataque com prazer porque, como o chefe, é o único jogo que sabe jogar. Como o chefe, descredenciado técnica e eticamente para o cargo, inverte acusações e acusa perseguição. Como o chefe, subordina vidas humanas à politicagem cotidiana.
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