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Rodrigo Ratier

Derrotado, Boulos é o grande vencedor da eleição

Guilherme Boulos (PSOL) disputa a prefeitura de São Paulo no segundo turno  - Reprodução/Facebook
Guilherme Boulos (PSOL) disputa a prefeitura de São Paulo no segundo turno Imagem: Reprodução/Facebook

29/11/2020 21h06

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Como esperado, o atual prefeito Bruno Covas confirmou o favoritismo das pesquisas e conquistou a reeleição hoje à noite, em São Paulo. Foi mais difícil do que se imaginava. Guilherme Boulos, teoricamente adversário dos sonhos pelo perfil "extremista" de liderança de movimento que "invade casas", reduziu a dianteira do tucano e, como se diz no mundo do futebol, vendeu caro a derrota. A forma como caiu faz dele vencedor, em muitos aspectos, da disputa eleitoral.

Em toda história de sucesso - ou quase sucesso - há uma dose de elementos circunstanciais. Boulos soube aproveitar uma candidatura petista de baixo apelo popular para ocupar o espaço cativo do PT na capital paulista sem o peso do antipetismo. Usando a base construída na campanha presidencial de 2018, alavancou sua campanha nas redes sociais, vantagem comparativa em uma campanha curta e em meio à pandemia. O perfil no Instagram com mais de 1,2 milhão de seguidores tornou-se referência pop. Boulos escancarou sua casa e transformou o térreo da residência no Campo Limpo um QG transparente de campanha. Foi bem sucedido ao construir uma imagem de pai de família e homem de diálogo, em sua luta obsessiva para afastar a pecha de "radical".

Em boa medida, conseguiu, protagonizando um 2° turno civilizado, quase morno, com Bruno Covas. De quebra, energizou uma militância não organizada que enxergou na candidatura do PSOL um motivo para ir às ruas e construir, por conta própria, peças de campanha com as linhas narrativas da campanha: Boulos e seu Celtinha, Erundina e seu jeitão de avó austera, o "V" da vitória como ícone da campanha. Segundo as pesquisas, a adesão teve evidente caráter etário, empolgando muito mais os jovens já familiarizados com a linguagem das redes.

Memes, vídeos editados, lives e demais pirotecnias digitais contribuem para superficializar o debate ou para trazer mais gente para a discussão? É possível defender as duas coisas — eu mesmo escrevi artigo recente criticando a infantilização das campanhas — e, possivelmente, os dois processos estejam em curso. Fato é que a campanha de Boulos adentra em território antes exclusivo da direita — e não exatamente com as mesmas armas, o que é uma boa notícia. Não se tem registro de que no uso do humor por sua campanha tenham constado "piadas" como "fuzilar a petralhada", "minha filha foi uma fraquejada" e outras que Bolsonaro reputou como "brincadeira". Em outras palavras, o humor na campanha de Boulos não esteve a serviço de uma "retórica intransigente", como explica o pesquisador Viktor Chagas da UFF acerca do uso do humor como estratégia para vociferar opiniões antidemocráticas direcionadas a grupos minoritários ou indivíduos específicos.

Involuntariamente cômica foi a declaração de que a contratação de servidores públicos ajudaria a reduzir o déficit da previdência municipal. Esquadrinhado, o programa de governo também evidenciou fragilidade - o artigo de Samuel Pessoa lista cifras pouco realistas para a ambição das propostas. Quadros com experiência administrativa podem auxiliar a combinar boa intenção com pragmatismo. Nesse aspecto, o psolista conseguiu a proeza de juntar, ainda que virtualmente, em programa eleitoral, uma frente de esquerda com Ciro (PDT), Lula (PT), Flávio Dino (PC do B) e Marina Silva (Rede) em seu apoio. Em uma esquerda agora policêntrica, conversas para 2022 terão de passar por sua figura, tanto pelo enorme aumento de capital político quanto pela novidade, em forma e conteúdo, representada por sua campanha.